Veneno e Promessa: quando o risco se disfarça de festa ou oportunidade

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Você sai numa noite qualquer, bebe algo pra esquecer — ou pra celebrar —, não espera morrer pela dose barata, pela garrafa sem rótulo, pelo escamoteio entre o rótulo lacrado e o produto adulterado. Mas morreu. Já morreram. Em São Paulo, confirmadas cinco mortes por metanol, suspeitas de bebida adulterada. Ao todo, dezenas de casos de intoxicação em investigação.

Metanol — esse nome de química de laboratório que você nunca quis encarar — aparece como protagonista sem crédito. Ele nem deveria estar perto da boca. É uma substância tóxica, que em doses pequenas causa cegueira, em doses maiores, morte. E o que se descobre agora é que quem adulterou bebida — pra aumentar lucro, pra fugir da fiscalização, pra ganhar no “compre duplo” — pode estar matando gente que nem sabia do risco. Não importa se a garrafa era barata ou de marca reconhecida: o crime escolhe a estratégia, não a vítima.

No mesmo compasso dessa violência invisível, há outro crime que mata silenciosamente — e é igualmente cruel: o tráfico humano. Em tempos recentes, investigações revelaram redes que vendem sonhos para aprisionar vidas. Empregos no exterior com moradia garantida, salários altos, segurança — promessas lindas postadas como oferta. Só que o destino pode ser cárcere. Passaportes retidos. Jornadas exaustivas. Trabalho compulsório. Exploração. Tráfico. Uma sedução disfarçada de oportunidade.

Metanol e tráfico humano não falam a mesma língua apenas por coincidência. Ambos são crimes de confiança: um mata pelo corpo, o outro pela esperança. Ambos arrancam algo essencial: a capacidade de escolher com segurança. Um envenena pela química; o outro, pela promessa. Mas em ambos, o risco vem disfarçado — na etiqueta perfeita, no vídeo bem produzido, na palavra sedutora.

O que me corta o coração é pensar que vivemos num país onde ninguém está livre disso: seja ao brindar, seja ao sonhar. E se o metanol mata, o silêncio também mata. Porque além de morte, há sequelas — visão destruída, saúde arruinada, sonhos roubados, famílias despedaçadas. Onde está o escândalo pleno? Onde está a proteção institucional de verdade? Fiscalização existe, mas é insuficiente. Há prisão do vendedor, mas não há prevenção real, rastreabilidade ou punição exemplar de quem lucra com o crime.

Não existe separação entre veneno e promessa: ambos são formas de exploração da confiança. E ambos exigem uma reação à altura. Que o estado funcione: selo verdadeiro, inspeção real, fiscalização constante, responsabilização verdadeira. Que a imprensa não deixe o caso esfriar. Que a sociedade não aceite a normalização da morte ou da escravidão disfarçada.

Porque se morrer de causa “desconhecida” depois de beber virou possibilidade e se entregar a uma promessa virou risco, então nosso país está adoecido. E a cura exige indignação, voz nas ruas, denúncia aberta e proteção urgente — para que ninguém mais beba veneno nem aceite promessas que matam.


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
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