Quem é você pra derramar meu mugunzá?

O dia do nordestino é comemorado em 8 de outubro, no entanto, não há período que celebre mais as nossas raízes do que o junino. A Festa de São João é a nossa cara. Nossa especialidade! E o forró, esse ritmo maravilhoso, também tão nosso, tem verdadeiros gênios como compositores e eu posso provar. Alguns deles  conseguem falar de amor, desilusão e superação, trazendo referências do nosso lugar e dando ênfase ao caráter do nosso povo de um modo tão bonito, que quando ouvimos, pensamos: “eita, cabra arretado!” 

Quem nunca ouviu Tareco e Mariola, composição do pernambucano Petrúcio Amorim, consagrada na voz de Flávio José? 

“Eu não preciso de você…” 

Uma música que começa assim, senhoras e senhores, com essa afirmação, demonstra que o autor tem consciência de que o outro não representa a famigerada “metade da laranja” em sua vida, pois não somos seres incompletos, necessitando de uma outra parte para, enfim, sermos felizes. Uma relação amorosa não se trata de dependência. 

E é por isso que mais adiante vem a confissão de ter feito tudo quanto podia pela relação, provavelmente até aquelas concessões nunca imaginadas. Contudo, ao perceber que nada disso adiantou e que ainda se feriu nesse processo, o compositor reage: 

“Não sabes tu que eu já tirei leite de pedra

Só pra te ver sorrir, para mim não chorar

Você foi longe

Me machucando, provocou a minha ira…” 

E num claro reconhecimento do seu valor, o autor lembra a sua origem, contando que nasceu entre o Velame e a Macambira, duas plantas típicas da Caatinga. Em seguida, aquilo que seria dito de outra forma por um compositor de outra região, em “nordestinês” é expressado assim: 

“Quem é você pra derramar meu mugunzá?”

Isso é perfeito, não é? Esse aí, minha gente, já foi! 

Avoante, de Accioly Neto, outro pernambucano, é uma das canções mais bonitas que já escutei. A versão mais famosa é a da Banda Mastruz com Leite. Misturadas aos sentimentos, a paisagem do Nordeste e a seca estão presentes na letra:

“Quando o riacho vira caminho de pedra

E avoante vai embora, procurar verde no chão

A terra seca fica só e no silêncio

Que mal comparando eu penso: 

Tá igual meu coração

Que nem a chuva, você veio na invernada

Perfumando a minha casa e alegrando meu viver

Mas quando o sol bebeu açude inté' secar

Quem poderia imaginar que levaria inté' você…” 

Acontece que, mesmo de coração partido, é preciso continuar a vida. E a lida. Accioly Neto enaltece a força do nordestino:

“Só resisti porque nasci num pé-de-serra

E quem vem da minha terra, resistência é profissão

Que o nordestino é madeira de dar em doido

Que a vida enverga e não consegue quebrar, não…”

E logo depois o autor fala de resiliência, da capacidade de ressignificar a dor: 

“Sobrevivi e estou aqui contando a história

Com aquela mesma viola que te fez apaixonar

Tua saudade deu um mote delicado

Que ajuda a juntar o gado toda vez que eu aboiar…”

A sensibilidade de Accioly Neto me encanta nessa canção que leva o nome de uma  ave migratória. Assim como a Avoante, o amor foi embora, causando sofrimento e deixando saudade. E quem ficou, apesar de padecer,  não se deixou abater. 


Thaty Miranda

Thaty Miranda: jornalista, radialista, viajante, concurseira, baiana, ariana e apaixonada pela vida!

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