O maior sucesso do ano vem da China
A ascensão da China no cenário cultural mundial tem sido um fenômeno curioso e fascinante de ser observado. De décadas para cá, as grandes inovações tecnológicas e o desenvolvimento econômico acabaram por tirar o foco da produção cultural deste país milenar, frente ao mundo ocidental. Entretanto, um grande marco no ano de 2025 destacou uma produção cinematográfica chinesa, que não só desafiou os padrões internos, como também atingiu um novo patamar de reconhecimento mundial.
Misturando a tradição e a mitologia chinesa, Ne Zha 2 é o maior sucesso de bilheteria no ano de 2025, e a animação de maior sucesso da história, ultrapassando filmes da Pixar, Disney, Dreamworks e Studio Ghibli. O fenômeno Ne Zha 2 foi tão grande que despontou o filme na quinta colocação de maiores bilheterias da história, situando a obra como a única não-hollywoodiana entre as 10 primeiras.
Um padrão observado em Black Myth: Wukong
O costume de misturar tradições históricas com a mitologia chinesa também aparece em uma das maiores produções recentes do mundo dos games: Black Myth: Wukong. O título, que lembra na jogabilidade God of War (2018) e franquias da FromSoftware, como Dark Souls, reconta a história do Rei Macaco, Sun Wukong, personagem do clássico da literatura chinesa, Jornada para o Oeste. A obra inspirou inúmeras criações ao longo do tempo, entre elas o anime Dragon Ball, que trouxe referências diretas em seu protagonista Son Goku e em elementos marcantes, como a nuvem voadora e o bastão mágico que pode se estender.
O universo do jogo é povoado por demônios, espíritos e monstros do folclore chinês, oferecendo ao jogador uma experiência imersiva em uma cultura ainda pouco explorada e/ou exportada para o público geral do ocidente. Muitos jogadores ao redor do mundo conheceram a Jornada para o Oeste justamente por meio de Black Myth: Wukong. Essa estratégia, em comum com o sucesso de Ne Zha, tem alimentado o que pode se tornar uma nova fase para a globalização chinesa — desta vez mirando não somente a política e a economia, mas também a cultura para os demais continentes ao redor do mundo.
Black Myth: Wukong. Reprodução: Game Science
A consolidação do padrão em Ne Zha 2
De forma semelhante ao jogo de sucesso, Ne Zha também aposta na tradição milenar. O filme acompanha a trajetória da divindade do fogo, protetora do budismo e do taoismo, em uma jornada de autoconhecimento marcada por batalhas coreografadas que misturam elementos lúdicos e artes marciais. Nessa jornada, Ne Zha enfrenta as forças do mal, representadas pelo Rei Dragão do Mar do Leste.
O filme tornou-se um grande marco cultural para a história do cinema chinês. É tecnicamente uma grande obra artística, que traz visuais deslumbrantes que são um apoio para a estrutura narrativa que está sendo desenvolvida. As lutas ganham um destaque maior, com o uso de magias e figuras da mitologia recriadas e readaptadas a uma nova perspectiva mais moderna e dinâmica, que dialoga com os moldes contemporâneos.
Uma característica que chama atenção é o baixo orçamento em comparação com os grandes filmes produzidos nos EUA. Foi investido cerca de U$80 milhões, um valor que representa quase metade dos custos de produção de Frozen 2 e Zootopia, ambos com um orçamento estimado em U$150 milhões. Mesmo com orçamentos maiores, nenhum dos dois filmes da Walt Disney Animation passou perto da bilheteria de mais de U$2 bilhões gerada com o lançamento de Ne Zha 2.
Além de um filme, a animação chinesa é um grande alerta ao superfaturamento e à supervalorização dos filmes hollywoodianos. As produções ocidentais, antes intocáveis e aquelas que ditavam os rumos da cultura global, agora são ameaçadas por novos mercados até então emergentes. Novas visões, novas formas de se contar uma história e, principalmente, uma nova maneira para fomentar o tradicional, o único e o nacional, indo de encontro à maneira homogênea como a globalização foi sedimentada ao longo dos séculos.
Ne Zha 2. Reprodução: Beijing Enlight Media
