Liberdade não mata: Juliana foi encontrada viva, mas a deixaram despencar
Imagem capturada por drone
Tem vezes em que as notícias nos atravessam mesmo sem querer. Vêm pelas frestas da rotina, enquanto a gente vive, trabalha ou dança num forró de São João, com o coração descompassado ao ouvir bombas e lembrar da possível guerra.
Algumas histórias não precisam de esforço pra doer — basta um nome, um rosto, um sonho interrompido. A de Juliana é assim. Uma daquelas que não sai da cabeça. E não devia sair do noticiário até que algo, de fato, mude.
Juliana Marins era jovem, negra, brasileira. Tinha 26 anos, era de Niterói (RJ), e cruzou o mundo com coragem no peito e fé nos próprios sonhos. Me vi em suas postagens recentes — vibrantes de felicidade e conquista. Ela alcançou a Ásia, passou pelas Filipinas, Vietnã, Tailândia e chegou à Indonésia, onde tudo parou: Juliana morreu no Parque Nacional do Monte Rinjani, em Lombok.
Deixada à própria sorte, após cair cerca de 300 metros durante uma trilha, ela foi encontrada com vida, mas saiu de lá morta. Enquanto agonizava, a engrenagem da economia local girava sem hesitação. O parque seguia aberto. Visitantes subiam, desciam, fotografavam. A trilha não foi interditada. O resgate não chegou a tempo. E o tempo, esse, foi o maior inimigo.
Faltaram pressa, estrutura, responsabilidade e cuidado. Juliana ficou quatro dias esperando por socorro. Sem água. Sem comida. Sem abrigo. Enfrentando o frio e escorregando montanha abaixo, enquanto era avistada, em diferentes pontos, por drones e equipes que não conseguiam alcançá-la. Seu corpo foi encontrado a cerca de 650 metros do ponto da queda, visualmente imóvel.
O mundo que ela quis conhecer não teve a mesma pressa em mantê-la viva. Não é só triste. É revoltante. O que matou Juliana foi o despreparo. O desamparo. A negligência mascarada de fatalidade. Como se fosse natural que um país que lucra com turismo internacional não tenha protocolos de emergência eficientes. Como se fosse aceitável que a beleza da paisagem valha mais do que a segurança de quem a visita.
No fim, Juliana pagou com a própria vida por algo que nunca foi erro: ser livre. Ser mulher. Ser negra. E querer ir. Por tentar. Por ocupar um espaço que ainda soa como afronta em um mundo que traça fronteiras invisíveis para o direito de existir.
O que devia escandalizar não era a coragem dela, nem suas escolhas ou seu destino. O que devia escandalizar é que o mundo responda com omissão, demora, castigo ou julgamentos apressados sempre que uma mulher ousa. Isso não pode ser aceito como destino.
Juliana foi sozinha — como tantas vão. Mas não devia ter morrido sozinha. Sem apoio, sem amparo. A morte de Juliana não é o preço da liberdade. Errado é duvidar que todas nós temos direito a ela.
Que a história de Juliana nos convoque para além da perseverança do montanhista voluntário Agam quem liderou o resgate e não descansou até garantir um retorno digno e do jogador de futebol Alexandre Pato que se prontificou a custear o traslado do corpo de volta ao Brasil. Que sua memória se transforme em exigência. Por estruturas que protejam quem sonha. Por políticas públicas que não deixem ninguém morrer esperando socorro. Por um mundo que, com urgência, aprenda a cuidar melhor das mulheres que ocupam seus espaços.
Juliana foi uma de nós. Tinha nome, tinha voz, tinha planos. E deixa um legado de coragem e realização. Ela merecia voltar pra casa com vida. E com muitas histórias (talvez um milagre) pra contar.

Laís Sousa
Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!@laissousa_
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