Aqui o "separar a mulher da ministra" óh:

Geraldo Magela/Agência Senado

A cena no Senado, mais uma vez, escancarou o que muitos tentam fingir que não existe: a violência política travestida de protocolo, o machismo institucionalizado fingindo ser divergência de opinião. Lá estava Marina Silva, com seus mais de quarenta anos de luta pela preservação ambiental, convidada para prestar esclarecimentos técnicos sobre uma pauta de Estado — e o que ouviu foi que a ministra não merece respeito, mas a mulher sim.

Separar a mulher da ministra — como se fosse possível arrancar, com a frieza de quem decepa um galho, a identidade de quem ocupa um cargo público. Como se Marina fosse apenas um ornamento, uma peça a ser contemplada, desde que silenciosa, desde que submissa. "A mulher merece respeito, a ministra não", disse o senador, com a naturalidade de quem acredita ter alguma autoridade para tanto. 

Eis aí o núcleo da violência: a tentativa de amputar a mulher de sua voz, de sua função, de sua competência. Marina Silva não estava no Senado como a mulher que sobreviveu à pobreza no Acre, à contaminação por mercúrio, aos preconceitos e doenças; tampouco como a mulher que encanta as plateias internacionais ao falar do meio ambiente com a autoridade de quem dedicou a vida a isso. Ela estava ali como Ministra de Estado, representante do Executivo, com responsabilidade e legitimidade.

Mas, para alguns senadores, Marina não passava de uma presença incômoda: mulher demais para ser levada a sério, ministra demais para ser tratada com respeito. Foi interrompida, teve o microfone cortado, foi mandada "se pôr no seu lugar". Qual lugar? O da invisibilidade? O da submissão? O da ausência?

A violência foi pública, explícita, filmada, registrada. O senador que já tinha se sentido à vontade para dizer que tolerar Marina por seis horas seria um exercício de resistência, como quem brinca com a imagem do enforcamento, expôs aquilo que muitas mulheres sabem, mas poucos homens reconhecem: que em nossa sociedade, quando uma mulher fala com firmeza, ela é "intransigente"; quando exige respeito, é "difícil"; quando não se submete, é "agressiva".

Marina reagiu à altura: cobrou desculpas, e, diante da recusa, se retirou. Não por fraqueza, mas por dignidade. Porque há agressões que não se devem tolerar, há espaços que não se devem ocupar quando o preço é o autoapagamento.

A ministra saiu da audiência, mas a violência permaneceu no recinto que outrora tinha sido cordial com a musa do Tigrinho. A falta de representatividade permanece ali, ecoando nas cadeiras, nos microfones, nas palavras não ditas pelos que preferiram se calar. Uma violência que tenta despolitizar as mulheres que carregam causas, reduzi-las a ornamentos, a símbolos vazios...

Curioso é que, enquanto atacavam Marina, acusando-a de emperrar o desenvolvimento, de travar o progresso, não percebiam que a verdadeira estagnação está nesse modelo político que ainda tenta excluir quem pensa diferente, quem ousa contrariar os interesses imediatistas, quem prefere a precaução à destruição.

Marina Silva foi chamada ao Senado para discutir uma pauta técnica, mas acabou exposta a um espetáculo grotesco de misoginia. Sua trajetória — de seringueira a ministra de Estado, respeitada mundialmente — foi reduzida, na boca de alguns senadores, à caricatura de uma mulher que não sabe o seu lugar.

Mas eles erraram. Marina sabe, sim, qual é o seu lugar: ao lado da floresta, das comunidades tradicionais, da ciência, do futuro. E também sabe qual não é: o da submissão silenciosa aos interesses que, sob o disfarce do desenvolvimento, promovem destruição.

Na saída da sessão, Marina resumiu: "Fui agredida fazendo o meu trabalho". E é exatamente isso: uma mulher agredida não porque errou, não porque fraquejou, mas justamente porque ousou fazer o que homens acostumados ao monopólio do poder não suportam ver: seu trabalho, sua função, sua missão.

Separar a mulher da ministra? Não. O que precisamos, urgentemente, é separar a política da misoginia. Antes que seja tarde — para o meio ambiente, para a democracia, para todas as mulheres que, como Marina, apenas querem exercer o direito de existir e governar com dignidade.


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
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