O país do microfone babado que convence milhões

Foto: Reprodução

Era uma CPI das Bets, mas poderia ser um vídeo do TikTok. Um show de audiência com roteiro duvidoso, figurino improvisado e protagonismo garantido para uma das maiores “influenciadoras” do país — vestindo moletom com estampa da filha, óculos de grau e uma expressão que os mais desavisados poderiam confundir com inocência. A estratégia da “trambiqueira bem vestida de gente boa”.

Virgínia não foi arrumada. Foi maquiada de simplicidade. Não sabia muito bem o que era um CPF, gaguejou diante da palavra “propina”, confundiu o verbo “chancelar” com “chancelinha”. Mas não se engane. A mesma mulher que tropeça em perguntas básicas e ri de confusão que protagonizou com o microfone é a que faz carão e convence milhões a clicar no “aposte agora”. E a aposta, quase sempre, leva gente direto pro vício, pra dívida, pra dependência. 

Enquanto ela desfilava sua versão modesta diante dos senadores e eles se revezavam entre perguntas e elogios, a gente vê, ao fundo, um Brasil doente de tanto iludir. O mesmo país que consagra membros do Legendários como pensadores, que acompanha o culto do pastor mirim como se fosse palavra divina, que chora pelo eliminado do reality e gasta o auxílio no tigrinho. Em segundos, a internet foi tomada pela “gafe” de confundir o microfone com canudo. Uma oportunidade de engajamento melhor do que tudo que foi dito. 

E é isso que me espanta. A naturalização da farsa. A estetização do golpe. A romantização da ignorância. A gente chama de “influência” o que, na prática, é indução ao caos. Os influenciadores de hoje são empresários do dano, e o público, fã de tragédia bem editada. 

Virgínia vende o vício como um de seus perfumes. Decorou o discurso da “liberdade de escolha”, mas nunca mencionou que a casa sempre ganha. Que o algoritmo entrega vício. Que o tigrinho não é mascote, é armadilha. A postura dela na CPI — desinteressada, cínica, confortável — só reforça o problema: estamos entregando poder demais a quem não tem nenhum compromisso com o coletivo. Não é só sobre ela. É sobre a estrutura que permite que alguém ganhe milhões promovendo algo que destrói vidas… e ainda seja tratada como celebridade.

Do outro lado da mesa, poucos senadores mostraram firmeza. Cleitinho, por exemplo, pareceu mais preocupado em performar autoridade do que exercer. Mais interessado em elogiar os produtos da investigada e pedir vídeo de fã para esposa do que em entender quantas vidas foram engolidas pelas apostas.  A fala mansa, os olhos brilhando, a falta de compostura: tudo isso diante de uma CPI que investiga a destruição financeira de milhares de lares. 

A CPI virou o circo, e o palhaço, de novo, é o povo.  Apostas online viraram doença em muitos bolsos brasileiros, e o que a gente assiste em plena TV Senado é que vilões são influentes demais pra serem culpados.

A pergunta que fica não é só sobre a Virgínia, nem sobre os políticos que se curvam diante dela. A pergunta é: até quando vamos apostar nossa atenção — nosso tempo, nossa crença, nossa grana — em gente que só nos vê como moeda de troca? O Brasil está governado por vídeos virais e bebês reborn. A gente precisa parar de achar graça e começar a achar vergonha. Repensar o termo “influenciador” e, principalmente, o que a gente consome com tanto afinco.

Porque se o futuro do país está nas mãos de quem engana sorrindo e ganha seguidor enquanto presta contas… talvez a CPI não seja o suficiente. Passou da hora de rever o que a gente chama de influência. Porque se o modelo atual de sucesso é uma mulher que lucra com a desgraça alheia, ri da própria ignorância e ainda sai ovacionada por homens que deveriam defender nossos interesses... alguma coisa está podre. E não é o microfone.

No fim das contas, a casa sempre ganha. E, neste caso, a casa tem ring light.


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
laissousazn@gmail.com

Comentários


Instagram

Facebook