Deus não pediu reforço no tribunal

Foto: Reprodução/clipe da música Alejandro

Tem gente que não se incomoda com o LED, nem com o volume. Se incomoda é com o holofote.  Quando a luz bate em quem eles não escolheram, aí vira “coisa do diabo”. Porque se fosse um coach prometendo propósito em sete dias — aí sim, seria “Deus se manifestando”. A régua muda quando o protagonismo escapa das mãos de quem acha que tem o monopólio do sagrado.

Foi só Lady Gaga pisar no palco e cantar pra dois milhões de pessoas na praia, pronto: começou o reboliço digital. Não faltou crente se doendo com a emoção dos outros. Surgiram os fiscais da fé, os distribuidores de sentenças, os juízes da internet com Bíblia em caps lock.

Bastou Eliezer, recém-converso, estar no meio da multidão, no vip que não é da igreja, pra o júri popular com dedo em riste sentenciar: “desviou”, “se perdeu”, “nunca foi de Deus”. Como se Deus tivesse pedido ajuda pra fiscalizar a salvação alheia. Como se conversão fosse contrato de clausura. Como se seguir Jesus exigisse fugir do mundo. Como se emoção pública só fosse santa quando monitorada.

Esses que gritam “Deus acima de tudo” parecem mais interessados em manter os outros por baixo. A luz incomoda mais do que o pecado. A alegria coletiva assusta. Talvez porque evidencie o que muitos evitam: que viver com fé não precisa ser viver com medo. Tem gente que acha que conversão é exílio da vida. Que uma vez tocado por Deus, o mundo vira ameaça. Mas talvez o mundo esteja precisando justamente disso: de quem ande com fé sem deixar de andar com os outros.

Curioso como a fé de muitos parece mais uma cerca elétrica do que um caminho. Quando a catarse é no púlpito, com microfone dourado e fundo musical em dó maior, é milagre. Quando alguém se emociona no altar, é milagre. Mas se é num palco pop, é possessão. Se a lágrima cai ao som de harpa, é unção. Mas se escorre ouvindo “Born This Way”, é pecado. 

O problema, talvez, não seja a devoção. É que ninguém pediu bênção pra sentir. Porque tem gente que não suporta ver alegria onde eles só veem ameaça. Não entende fé sem farda, nem Deus sem crachá. E aí, pra manter o controle, dizem que é heresia. Mas o nome disso é medo. Medo do que escapa da cartilha. Medo do que não se pode domar. Medo de ver pessoas encontrando sentido fora da rota que lhes foi vendida como única. Não o medo da “adoração” em si — mas da liberdade. Da pluralidade. Do poder que tem um povo que sente.  E olha… às vezes a energia coletiva em um show vale mais do que vinte anos de culto não vivido.

O problema não é Gaga no palco, afinal, ela não fundou uma igreja. É a coragem que ela inspira e as feridas que curou com letras. Disse pra milhões o que muitos nunca ouviram num culto: “Você não é um erro. Não é estranho. Não se resume a suas dívidas. Você é arte!” É um ex-BBB, ou qualquer um, entender que Deus não o tirou do mundo — só o ensinou a habitá-lo com outro olhar. E isso, pra quem foi silenciado e passou a vida tentando caber, soa como salvação e vale mais do que uma cartilha de regras.

Mas é mais fácil demonizar o que não se entende do que admitir que o que faltou não foi fé, foi empatia. É isso que ninguém fala: ser fã não é idolatrar. É reconhecer-se. É o cérebro agradecendo por, enfim, se sentir pertencente. É neurociência. É sobrevivência. É alma dizendo: “eu existo”.  E isso que tanto assusta esses moralistas: ver milhões de pessoas se sentindo vivas!

Os profetas da performance gritam contra quem canta, mas vendem e-books de fé em cápsulas, com promessas de cura e riqueza em nome de um céu que mais parece uma pirâmide. Esquecem que Jesus andou entre gente ferida, barulhenta, humana. Que nunca exigiu isolamento e silêncio como sinal de fé. E que o Reino que ele pregou não era feito de muro, mas de encontro. 

Então, antes de decretar condenação digital, respira. Talvez o Espírito Santo esteja se manifestando onde você menos espera: na liberdade de um corpo que dança, na lágrima de quem se reconhece, na alegria de quem, pela primeira vez, se sente digno de existir. 

E se isso incomoda, talvez não seja sobre religião. Seja só sobre controle. 

A propósito, "habemus papam" - o  Leão XIV é visto como um líder que valoriza a paz, a unidade e a justiça social. Ele é um agostiniano, membro de uma ordem religiosa com valores como interioridade e verdade. O novo Papa também expressou preocupação com os migrantes, os pobres e o meio ambiente.  Já vi gente dizer que é o cumprimento de profecias do Apocalipse! 


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
laissousazn@gmail.com

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