Racional I e II: os clássicos discos que Tim Maia “tentou apagar” de sua história
Além de talento, talvez, as primeiras palavras que se vem na cabeça ao lembrar de Tim Maia podem ser “esquentado” e “reativo”. Apesar disso, por um período, a paz reinou na vida do cantor carioca, que deu um tempo nas drogas, melhorou a alimentação, a aparência e chegou ao seu ápice vocal com o álbum Racional, dividido em dois volumes, lançados entre 1975 e 1976.
Apesar da introdução esperançosa, não é assim que essa história termina. Na verdade, tem muitos capítulos dentro dela, desde o rompimento com uma grande gravadora até esperar a chegada de discos voadores que o levariam para o “planeta que ele realmente pertencia”. Racional é a fase que o Tim Maia fez de tudo para tentar fingir que não existiu.
Capa do disco "Racional", de Tim Maia (1975). Foto: Reprodução
O frenético estilo de vida de Tim Maia
Tim Maia se tornou um nome promissor da música brasileira já no seu primeiro disco solo, o “Tim Maia”, de 1970. Ali, estavam sucessos como “Primavera (Vai Chuva)”, “Eu Amo Você” e “Azul da Cor do Mar”. No ano seguinte, o cantor se consolidou de vez com o segundo disco – de mesmo nome –, que tinha a presença das canções “Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar)” e “Você”. O sucesso havia chegado para ficar.
Mas junto ao sucesso, vieram os excessos. Com mais dinheiro, consequentemente, havia mais drogas, principalmente cocaína e álcool. Esse era o estilo de vida de Tim a partir dali, meio “sexo, drogas e rock’n’roll” – ou, no caso dele, “sexo, drogas & Soul”.
O universo em desencanto e o retorno ao verdadeiro mundo de origem
Um dia, em uma visita ao seu amigo e também músico Tibério Gaspar, Tim Maia teve acesso a um dos livros da coleção “Universo em Desencanto”, escrito por um médium carioca chamado Jacinto Coelho. Bom, ao menos teoricamente, a obra promete “um conhecimento do retorno da humanidade ao seu ‘verdadeiro mundo de origem’”.
Tim se interessou e questionou Tibério sobre o tal Universo. O amigo, prontamente, sugeriu fazer uma aproximação entre o cantor e o médium, o levando para acompanhar um culto da Universo em Desencanto, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro.
Fazer parte da seita exigia sacrifícios. Tanto financeiros, como jogar fora todas as coisas de valor material, quantos espirituais, ao se afastar das drogas, do consumo da carne vermelha e do sexo (ps: nessa época, o Tim Maia tinha uma companheira, a Geísa). Jacinto argumentava que isso seria para alcançar um propósito maior, com uma vida de purificação que conectaria os seguidores do que pregava com seres de um outro planeta.
Capa de uma das edições do livro Universo em Desencanto. São mais de mil edições publicadas. Foto: Reprodução
A mudança na forma de fazer músicas
E não é que o conceito do Universo entrou na cabeça do Tim? E não parou por aí. Toda banda teve que “viajar” junto com o cantor. Um dos músicos, Serginho Trombone, que participou dos dois volumes de “Racional”, contou para o site Cliquemusic, em 2000, que os instrumentistas também deviam seguir as normas da seita.
"Foi uma fase muito doida. O Tim vivia olhando para o céu procurando discos voadores. O pior de tudo é que ele convenceu a banda inteira a entrar para a seita. Pintamos todos os instrumentos de branco, até a bateria [...] Ele acabou sendo o grande prejudicado, pois teve de se livrar de todos os produtos materiais de seu apartamento. Jogou fora fogão, geladeira e até o carpete da sala."
O artista já vinha trabalhando em algumas músicas, que foram todas interrompidas e/ou modificadas após a sua iniciação na Universo em Desencanto. Com roupas brancas, uma bíblia, e sem o seu tradicional cabelão Black Power, Tim apresentou as sugestões de alteração nas letras – que passariam a ter referências às pregações da seita – para a sua gravadora naquele momento, a Polygram, que não gostou nada. Resultado: contrato rescindido e Tim Maia se tornou um artista independente, fundando posteriormente sua própria gravadora, a Seroma.
Tim Maia durante a "fase Racional". Foto: Reprodução
A mudança teve um lado positivo e outro negativo. A vantagem é que a partir daquele momento, o artista seria dono integral da sua obra, sem dividir lucros com uma gravadora. Mas a desvantagem é que, sem o apoio para a divulgação, mesmo já sendo um artista grande, seria impossível vender muitos discos – aqui estamos falando do vinil, que eram comprados em lojas. Mas quem enviaria os discos para as lojas sem o apoio de uma gravadora para isso? A solução foi entregar por conta própria em lojas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
As vendas não passaram nem perto dos álbuns anteriores. Foi um boicote tanto da mídia, que não tocava canções do “Racional” nas rádios, com exceção da faixa “Que Beleza”, e dos próprios fãs, que não gostaram tanto da capa com mensagens, figuras e outras coisas em alusão ao Universo em Desencanto, e nem davam uma chance ao LP.
Já chegou o disco voadorrr?
Até que mais ou menos no fim de 1976, após uns anos vivendo dentro das normas da Universo em Desencanto, Tim Maia se cansou e desistiu. Não tinha nenhum disco voador vindo para buscá-lo, e aí que a versão antiga do artista voltou como nunca. Tim, enfurecido, estava disposto a até mesmo dar fim à vida de Jacinto, o que não aconteceu.
Jacinto ficou vivo, mas não impune. Tim Maia e os seus músicos – que também passaram a fazer parte da seita e largaram todos os seus bens materiais por conta do cantor – invadiram a sede da Universo em Desencanto. Serginho Trombone, na mesma entrevista para o Cliquemusic, contou:
"O Tim estava possesso. Ele foi para a janela de entrada da Universo em Desencanto e passou a gritar para todos que passavam na rua que aquilo tudo era uma grande farsa, que o Manoel Jacintho era um charlatão, que só queria o dinheiro dos fiéis. Ele gritava: 'Cadê o disco voador? Cadê o disco voador?'"
A tentativa de apagar os discos da história
Até o fim da sua vida, Tim Maia fez tudo o que pôde para apagar a fase racional da sua história. O cantor impediu até mesmo uma regravação da faixa “Que Beleza”, que seria feita por Marisa Monte em seu álbum “Barulhinho Bom”, de 1996. Ele estava convicto que as músicas do Racional Vol. 1 e Vol. 2 deveriam ser tratadas como se nunca houvessem existido um dia.
Contudo, a estratégia teve o efeito inverso. Com poucas edições disponíveis, quem tinha o vinil poderia vendê-lo ao preço que quisesse para colecionadores e grandes fãs. Entre eles, se destacam o rapper brasileiro Marcelo D2 e Paul Stewart, filho do tricampeão mundial de Fórmula 1, Jackie Stewart.
A título de curiosidade, atualmente, para ter o vinil do Racional Vol.1, é preciso desembolsar entre R$300 e R$1.600.
A título de curiosidade²: existe um terceiro volume do Racional, que não foi lançado nos anos 70, mas que foi publicado em 2011 pela editora Abril.
No ano passado, os álbuns chegaram também nas plataformas digitais, como o Spotify, por exemplo, para desespero de Tim, que deve ter se revirado no caixão – e que se estivesse vivo, ia me xingar todo em alguma rede social por eu estar escrevendo sobre essa história que ele queria tanto fingir que não aconteceu. Me desculpa, Rei do Soul.

Danilo Souza
Estudante de Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), músico e produtor audiovisual independente.danilosouza.jornalismo@gmail.com (Email)
@danilosouza.jornalismo (Instagram)