A inteligência artificial não irá afetar o Jornalismo – mas talvez a “burrice natural” sim

O brasileiro escreve sobre tudo, mas não interpreta nada.

Quando comecei no Jornalismo, em 2023, já se falava sobre Inteligência Artificial. De uma forma um pouco mais tímida do que é hoje, entretanto, ela já estava entre nós. Um pouco mais de dois anos depois, utilizar ferramentas de IA, independente da profissão, é quase o normal agora, afinal, é uma ajuda que facilita e muito a nossa vida. Facilita até demais.

Poucas palavras formam um comando, que é enviado para um robô num chat, e em segundos você recebe um texto estruturado com vários parágrafos sobre o tema que deseja. Eu, honestamente, ainda considero isso meio bizarro. Quando isso é entregue nas mãos de pessoas que trabalham em áreas que pedem imediatismo, como é o caso do Jornalismo, vira uma máquina no sentido mais literal da palavra.

Isso traz possibilidades infinitas. É possível escrever sobre acontecimentos que você nem mesmo presenciou ou sobre lugares que nem estava com direito a muitos detalhes. O robô é até capaz de inventar notíciasvocê não leu errado – citando nomes de bairros, nomes de pessoas e até relatos delas sobre uma situação que na verdade nem existe.

Captura de tela extraída de uma IA.

O que me desencadeou a escrever este texto foi uma publicação que vi no Instagram na semana passada, quando um jornalista local publicou um texto e esqueceu de remover o comando do Chat-GPT da legenda. Foi deletado rápido, mas como diz um dos ditados da era digital: “o print é eterno”, risos. Isso furou a bolha e chegou até a mim não por fofoca ou coisa do tipo, mas sim em uma outra publicação, a nível nacional, que satirizava o uso da IA.

Não estou fazendo isso com a intenção de apontar o dedo para um colega de profissão. Eu mesmo já errei algumas vezes e escrevi textos confusos que foram criticados interna e externamente após a publicação. Isso aconteceu porque foram escritos por um humano sujeito à imperfeição e não por um robô.

Contudo, não acho certo tentar demonizar a inteligência artificial e querer dar fim total à sua utilização. Ela realmente ajuda. Algumas vezes, já precisei melhorar a qualidade de uma imagem, remover o ruído de um áudio gravado no meio da rua ou transcrever uma entrevista grande para achar só a parte que eu estava procurando ao invés de ter que escutar inteira.

Mas há uma diferença entre otimizar o seu trabalho e pedir para uma máquina fazer 100% de uma tarefa que deveria ser feita por você.

A inteligência artificial, apesar de já estar num alto nível de execução e ainda em uma constante evolução, não ameaça diretamente o futuro do Jornalismo. Não acho que a profissão entra naquela lista das que vão ser extintas por conta da IA. No fim, quem lê cada linha do que é escrito por aí são pessoas, ou seja, o produto final ainda é para humanos.

O que pode mudar é a forma como essas pessoas interpretam o que é recebido. Na verdade, já existe uma falha de comunicação entre emissor e receptor há muito tempo, particularmente no Brasil, por conta de um fenômeno preocupante: o brasileiro escreve sobre tudo, principalmente nas redes sociais, com base em opiniões formadas pelo senso comum e sem muito embasamento, às vezes sem ao menos ler mais de uma vez para entender o que aquele texto realmente significa.

Em uma frase: o brasileiro escreve sobre tudo, mas não interpreta nada. 

Lembro de ter lido recentemente o livro “No enxame: perspectivas do digital”, do sul-coreano Byung-Chul Han, após um professor da faculdade de Jornalismo ter sugerido. É uma obra crítica a respeito do consumo excessivo das redes sociais e como essa prática molda o pensamento da sociedade, daí que vem a ideia do “enxame digital”, que, basicamente, é um grande grupo de pessoas sem capacidade de reflexão individual, muito menos coletiva.

É um modelo onde há mais reações do que ações – mais likes e contatos rápidos ao invés de respostas e conversas aprofundadas sobre o que se vê. Consequentemente, isso mudou a comunicação. Agora, se prioriza o compartilhamento rápido de informações, o que empobrece a qualidade do conteúdo e também da interação entre os humanos.

Capa do livro "No enxame: perspectivas do digital", de Byung-Chul Han. Foto: Reprodução/Amazon

Sem a capacidade crítica para ler, interpretar e debater com argumentos (e com respeito) sobre o que se lê, não tem inteligência artificial que resolva. Ou então teremos que começar a colocar em prática aquela frase “você quer que eu desenhe para você entender?”. 

E nem assim vai funcionar. Ainda nas redes sociais, rolando a tela por aí, vi PESSOAS (sim, no plural, mais de UMA) ofendendo um ROBÔ e ainda atribuindo um lado político para tal IA com base nas suas respostas.

Captura de tela extraída do X.

O Jornalismo não vai perder para a inteligência artificial. Muito pelo contrário, a quantidade de demanda e de profissionais preparados para combater a desinformação terá que aumentar. Outra profissão que vai ficar firme e forte no futuro, mais do que nunca, são os professores, principalmente do Ensino Fundamental – aqueles que ensinam a ler e interpretar, sabe? Ao que tudo indica, estamos precisando.


Danilo Souza

Estudante de Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), músico e produtor audiovisual independente.

danilosouza.jornalismo@gmail.com (Email)
@danilosouza.jornalismo (Instagram)

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