Enquanto festejamos o Dia Mundial do Livro, metade da população brasileira nem sequer abre uma página
Hoje é 23 de abril, Dia Mundial do Livro.
A data foi instituída pela Unesco em 1995 para homenagear autores como Miguel de Cervantes, William Shakespeare e Inca Garcilaso de la Vega, que — curiosamente — morreram no mesmo dia: 23 de abril de 1616. A intenção por trás da escolha não foi apenas simbólica, mas política e cultural: reconhecer o livro como um instrumento poderoso de disseminação de conhecimento, memória e diálogo entre os povos.
Se você chegou até aqui, lendo um artigo de opinião sobre o cenário da literatura no Brasil, é provável que goste de livros. Se esse for o caso, parabéns: você é exceção.
De acordo com a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro e divulgada em novembro de 2024, o país perdeu cerca de 6,7 milhões de leitores em apenas quatro anos. Pela primeira vez, a proporção de não leitores superou a de leitores: 53% dos brasileiros afirmaram não ter lido nenhum livro — impresso ou digital — nos três meses anteriores à pesquisa
A retração não poupou ninguém: houve queda em todas as faixas etárias, gêneros, níveis de escolaridade e classes sociais. Um dado desconstrói, de forma contundente, o senso comum de que “pobre não lê, mas rico sim”: mesmo entre brasileiros com renda familiar acima de dez salários mínimos, o índice de leitores caiu de 82% para 70%. Ou seja, a crise da leitura é estrutural, e não meramente econômica.
Além disso, o acesso ao livro ainda é um obstáculo significativo no país. De acordo com a mesma pesquisa (Retratos da Leitura no Brasil, 2024), 46% dos brasileiros afirmaram que não há uma biblioteca pública em sua cidade ou bairro. E mesmo entre os que têm acesso, o desinteresse predomina: 75% não frequentam bibliotecas. Mais alarmante ainda é o dado de que 39% dos entrevistados disseram que nada os motivaria a frequentar esses espaços, o que aponta para uma desconexão ainda maior que a imaginada entre a população e as instituições de leitura.
Outro fator agravante é o desmonte de políticas públicas voltadas à leitura. Programas como o PNLL (Plano Nacional do Livro e Leitura), criado em 2006 para democratizar o acesso ao livro, vêm sendo sistematicamente esvaziados. Em 2021, por exemplo, o governo federal retirou a leitura do rol de prioridades da Política Nacional de Cultura (!!!!!!!!!!!), o que gerou forte reação de escritores, editoras e entidades do setor.
O fechamento de bibliotecas públicas e comunitárias também contribui para o cenário de empobrecimento cultural. Muitas cidades brasileiras sequer contam com bibliotecas em funcionamento — e, quando existem, enfrentam problemas como falta de acervo atualizado, ausência de profissionais capacitados e espaços pouco acolhedores.
Por que a leitura ainda importa?
É legítimo perguntar: por que insistir tanto na leitura? Porque os benefícios são inegáveis — e cientificamente comprovados. Um estudo publicado pela University of Sussex mostrou que a leitura por apenas seis minutos ao dia pode reduzir o nível de estresse em até 68%, sendo mais eficaz que ouvir música ou caminhar.
Além disso, ler regularmente desenvolve a empatia, o pensamento crítico e a capacidade de se colocar no lugar do outro. Um estudo da The New School for Social Research, em Nova York, revelou que leitores de ficção literária têm maior capacidade de identificar emoções complexas em outras pessoas — um indicativo de maior inteligência emocional.
No campo educacional, a leitura é um dos fatores mais diretamente associados ao desempenho escolar. Segundo a OCDE, alunos que leem por prazer têm desempenho significativamente melhor em avaliações de leitura, matemática e ciências, independentemente do nível socioeconômico.
Quem lucra com a ignorância?
A verdade é dura: o Brasil é um país onde o livro ainda é um artigo de luxo — quando não é, simplesmente, um objeto decorativo em mesas de centro e vitrines instagramáveis. É confortável defender a leitura em datas comemorativas, mas é desconfortável reconhecer que ela não está ao alcance da maioria. Mais fácil culpar a “falta de interesse” do que encarar o desmonte de políticas públicas, a elitização do mercado editorial e o descompasso entre o livro e a realidade de quem deveria lê-lo.
Enquanto isso, seguimos cultivando um paradoxo: exaltamos os benefícios da leitura, mas tratamos leitores como exceção. Em um país onde 53% da população não leu sequer um livro nos últimos três meses, segundo o Retratos da Leitura no Brasil (2024), talvez a pergunta mais urgente não seja “por que as pessoas não leem?”, mas sim: quem está realmente interessado em que elas leiam?
Porque promover a leitura exige mais do que campanhas pontuais ou hashtags engajadas. Exige vontade política, investimento contínuo e — principalmente — o compromisso de tornar o livro um direito, e não um privilégio.
