Lugar de Fala Não É Palanque
Taís Araujo. Foto: Reprodução
Lugar de fala não é megafone. E muito menos desculpa pra destilar ignorância travestida de opinião.
Nos últimos dias, Jojo Todynho decidiu abrir a boca. Até aí, tudo bem — é um direito dela. Mas ao criticar quem se diz socialista e, ao mesmo tempo, consome marcas caras ou tem plano de saúde, ela mostrou que lugar de fala, sozinho, não sustenta um discurso. E pode, inclusive, desmontar séculos de luta se for usado de forma irresponsável.
Embora ex obesa, não dá pra ser ex-negra — e ela sabe disso, porque dinheiro não compra branquitude. Mas é duro ouvir esse tipo de colocação vindo de quem também é ex-periférica. Porque há quem confunda ascensão social com apagamento da origem, como se subir na vida invalidasse a necessidade de olhar pra quem ficou embaixo. Como se a representatividade tivesse data de validade ou dependesse de CNPJ.
Por isso, em vez de amplificar essa barulheira desnecessária, prefiro destacar quem usa o lugar de fala com a sabedoria e o peso que ele carrega: Taís Araújo. Em sua participação no videocast do Globo ‘Conversa Vai, Conversa Vem’, ela foi precisa ao tratar de temas que nem todo mundo que ocupa o microfone tem preparo ou coragem para abordar.
Taís falou sobre o vício em trabalho movido pelo medo da escassez — uma herança emocional de quem nunca teve a vida garantida. Falou da solidão afetiva da mulher negra, que não é resultado de “azar no amor”, mas de um padrão social onde ela quase nunca é a primeira escolha. Falou sobre racismo cotidiano, aquele que não grita, mas silencia. Que não bate, mas esvazia. Um racismo que seus filhos ainda enfrentam, mesmo em outro tempo, outra proporção e outra geração.
E por falar em geração, trago aqui um paralelo que me atravessou:
Enquanto os filhos da elite aprendem com Paulo Freire, Montessori, Piaget ou Waldorf a questionar o mundo, os filhos da pobreza são jogados em escolas militares pra aprender a calar e obedecer. Pensamento crítico pra quem? Liberdade pra quê?
A desigualdade educacional no Brasil — como já dizia Darcy Ribeiro — não é uma crise; é um projeto. A educação está exatamente onde o sistema quer que esteja: servindo à manutenção da hierarquia. Não é descuido. É engenharia.
Taís sabe disso. Sabe que ser negra e bem-sucedida no Brasil é caminhar com a autoestima de quem venceu o improvável e a responsabilidade de não esquecer quem ainda está na linha de partida. Por isso, recomendo: assista à entrevista completa. É um lembrete de que representatividade não é sobre estar no palco. É sobre o que se faz quando se pega o microfone.
Porque lugar de fala não é sobre falar. É sobre saber o que dizer quando chega sua vez de ser ouvido.

Laís Sousa
Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!@laissousa_
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