A finitude das coisas, por Nélio Silvantov, e o desafio de ter uma vida que se queira viver

A Finitude das Coisas, por Nélio Silzantov. Foto: Ane Xavier

 

É indubitável que tudo tem seu começo, meio e fim. Mas a finitude das coisas não é definitiva.

Se você, assim como eu, é conquistense e já tentou buscar informações sobre a história de Vitória da Conquista, seja por curiosidade ou necessidade, sabe como é difícil encontrar uma narrativa que apresente a versão real, sem a romantização que frequentemente envolve a formação da nossa chamada "Suíça Baiana". Ao pesquisar na internet sobre os conflitos entre indígenas e portugueses na região, nos deparamos com uma quantidade bem limitada de textos disponíveis. Além disso, nos museus locais, poucos são os espaços dedicados às histórias dos povos indígenas que aqui habitavam. A história de Vitória da Conquista é marcada pelo sangue e pelo etnocídio das populações originárias que estavam aqui antes de nós, mas, lamentavelmente, em muitas vezes, esse fato é frequentemente relegado ao esquecimento.

Talvez a minha experiência quase frustrada em tentar conhecer o passado da cidade onde moro tenha sido o que me prendeu imediatamente à história quando decidi lê-la. Já na página 20, sublinhei este trecho:

Éramos assíduos frequentadores da Mármore Neto, mais conhecida como Praça do Boneco (...) Um bizarro cartão-postal conquistense de quinze metros de altura, em homenagem aos imigrantes, ou "Monumento aos Chegantes" como oficialmente fora registrado — o que nunca deixou de ser, no mínimo, sarcástico e mórbido, vindo de uma terra cujo sangue de seus primeiros habitantes alicerça as casas daqueles que vieram colonizá-la. Quantos mitos ocultam a verdadeira história? (...) A espada trouxe consigo a cruz, e de arraial simples Conquista se tornou numa cidade pujante, grandiosa, a terceira maior do estado. E uma luz difusa passou a brilhar sobre tua paisagem, incapaz de revelar as memórias sombrias e as mazelas que assolam teus filhos.

Escolhi começar o livro sem saber nada sobre a história e acredito que foi especialmente esse parágrafo — subversivo, crítico e, acima de tudo, real — que me fez compreender o que estava por vir: uma narrativa que, embora ácida, também era sensível, densa e assertiva ao retratar um grupo de amigos em uma Vitória da Conquista underground e contracultural que não tinha tido contato até então. 

Nesse romance de formação, acompanhamos a estranha e complexa amizade entre Erik, Annibal, Pavarotti e Simmons (narradora da história), fundamentada na famosa tríade: sexo, drogas e rock ‘n’ roll. À medida que a trama avança, os personagens começam a confrontar, com uma profecia feita por um deles antes mesmo dos eventos narrados se desenrolarem. Essa previsão traçava diferentes finais para cada um do grupo: dois não chegariam à vida adulta, um se tornaria religioso, e o outro acabaria se conformando com uma vida comum e rotineira.

Com uma narrativa não-linear, acompanhamos as dicotomias e os dilemas do eterno "e se...", tão característicos de quem vive a 'fase dos 20'. A dualidade entre não se sentir pertencente a uma cidade e, ao mesmo tempo, desejar permanecer nela. O sentimento de invencibilidade colidindo com a esmagadora realidade de ser apenas mais uma peça em um sistema regido pelo apito da fábrica, onde "não há tempo nem ânimo suficientes para dar voz ao pensamento". Durante a leitura, me perguntei inúmeras vezes: o que estou lendo é pessimista ou apenas um espelho de uma realidade que, muitas vezes, escolho não enxergar? Escrevendo esta coluna, alguns dias depois de finalizar o livro, percebo que ainda não sei a resposta.

Mas o que há de ser a existência se ela não for entregue a uma vida que se queira? Me pergunto porque ainda posso.

A Finitude das Coisas é um livro nos desafia a encarar o efêmero em suas múltiplas formas — das relações humanas à própria existência. A obra não entrega respostas fáceis, mas convida a navegar por dilemas universais com um olhar particular, costurado em uma narrativa rica em referências culturais locais e marcada por reflexões pungentes. É, ao mesmo tempo, um retrato fiel de uma geração e um convite a pensar sobre os caminhos que escolhemos (ou que nos escolhem).

Ao fechar o livro, fica impossível não levar consigo os ecos de suas páginas: as incertezas, os desejos, as perdas e a luta constante entre se adaptar ou resistir. A finitude das coisas não é apenas sobre o fim, mas também sobre o que fazemos antes que ele chegue — e sobre o doloroso, confuso e paradoxalmente belo processo em criar significado nesse intervalo.

Parece um absurdo dizer isso, mas, diante de tanta tragédia, apenas por um acaso permanecemos vivos.

 


PS.: Pode não ser um ponto importante para todos, mas não posso deixar de destacar as várias referências musicais presentes no livro. A sensação foi como assistir a um filme com uma trilha sonora impecável, que transita por Nirvana, Alice in Chains, Belchior e ainda celebra grandes bandas de rock conquistense, como Cama de Jornal e Ladrões de Vinil.




 


Ane Xavier

Estudante de Jornalismo e Ciência Política, apaixonada por comunicação e sempre com um livro em mãos. Também fala sobre leituras no instagram @booksbyane.

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