Sociedade do cansaço de Byung Chul Han e o paradoxal excesso de positividade nos dias atuais
Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando.
Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte.
Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o tempo.
(...) A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize’.
– Antonio Candido
Três semanas atrás, recebi o diagnóstico para o qual tanto me alertaram, mas que nunca quis ouvir: eu apresentava todos os sintomas compatíveis com o CID-11 (11ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) QD85, também conhecido como Síndrome de Burnout. Para quem não sabe bem o que isso significa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o burnout como uma doença ocupacional, decorrente de "estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso."
No entanto, arrisco-me a discordar desta definição — acredito que o burnout não surge do mau gerenciamento do trabalho, mas da determinação em administrar as tarefas apesar de. Por exemplo: faço N coisas, apesar de o excesso estar me corroendo por dentro; assumo mais um compromisso, apesar de ignorar o fato de que seria melhor descansar. O apesar de torna-se uma voz quase que ditatorial, baseada na insistência em continuar, mesmo quando o corpo e a mente pedem, urgentemente, uma pausa.
Escrevendo este texto (após várias e várias sessões de terapia, risos), percebo que a vida, para mim, havia se tornado um excesso de possibilidades: listas intermináveis de coisas que eu deveria ou não fazer, metas que, indiscutivelmente, precisava alcançar, temas que deveria dominar, e, acima de tudo, uma carga de tarefas que me sentia obrigada a cumprir. Quando dei por mim, estava atolada em atividades que, embora conseguisse realizar, estavam me consumindo. Descanso parecia uma palavra distante, quase inalcançável.
Sinto que não posso escrever um texto sobre esgotamento sem citar o livro Sociedade do Cansaço¹ (The Burnout Society, no título original), no qual o filósofo e ensaísta sul-coreano Byung-Chul Han argumenta que o esgotamento das pessoas não decorre de um excesso de negatividade, mas, paradoxalmente, de positividade. O famoso slogan "Yes, we can" deixa de ser uma frase motivacional e assume um tom imperativo. Para Han, a maior cobrança não vem do exterior, mas, de forma ainda mais intensa, do interior: é uma pressão que o próprio indivíduo impõe a si mesmo.
O autor argumenta que a sociedade do poder (no sentido de possibilidades) é muito mais eficiente do que a sociedade do dever. Ele vai além: na página 29, Han afirma que "a lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que tudo é possível." Ao longo do livro, é apresentada a ideia de que, em uma sociedade capitalista, o indivíduo, como "senhor soberano de si mesmo", não está submisso a ninguém além de si próprio.
Han destaca que, pela agressividade do querer fazer, "o sujeito de desempenho se destrói na vitória" (p. 102), pois a linha de chegada torna-se infinitamente distante. Nessa guerra, não há vencedores, e "a preocupação por uma boa vida dá lugar à histeria pela sobrevivência" (p. 107). A percepção de que tempo é dinheiro e trabalho mais do que nos esgota — nos desumaniza. Ela nos transforma em "mortos-vivos", porque estamos "por demais vivos para morrer e por demais mortos para viver" (p. 109). A sobrevivência passa a ser o nível mais baixo da existência, já que não sabemos exatamente pelo que estamos vivendo no presente. Estamos presos a um ideal de desempenho sem repouso que drena a vivacidade da vida.
Comecei este texto dizendo que a palavra "descanso" parecia algo distante, quase inalcançável. Agora, ao final, percebo que o descanso se ressignificou para mim. Se antes ele parecia inatingível, hoje surge como o caminho mais próximo para alcançar liberdade e controle sobre meu próprio tempo. Para Byung-Chul Han, “a autoexploração é muito mais eficiente que a exploração estranha, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade” (p. 115). Aprendi que liberdade não é dizer sim para todas as oportunidades que surgem no meu caminho, mas aprender a dizer não, ao perceber que tenho o poder da escolha.
¹ HAN, B.-C. Sociedade do Cansaço. tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2015.