O placar da exaustão: quando o 6x1 rouba mais do que tempo
Kid Junior/SVM
Seis dias de trabalho, um dia de descanso. A fórmula é simples, quase matemática. Mas não se engane: não há nada de exato em uma lógica que soma lucro para uns e subtrai vida para outros. No Brasil, a escala 6x1 é a vitória esmagadora do relógio sobre o ser humano, um placar que não deixa margem para prorrogação – a exaustão sempre vence.
Imagine isso: você acorda cedo, encara um transporte lotado, trabalha o dia inteiro, volta para casa exausto e, ao final, tem apenas um dia para lavar roupas, fazer mercado, limpar a casa, cuidar da mente e, quem sabe, descansar. A conta não fecha. O que sobra desse único dia de “folga” é pouco mais que um fiapo de energia para recomeçar o ciclo.
E quando o debate esquenta, sempre aparece alguém para dizer: “Mas se quiser moleza, estude e arrume um trabalho melhor”. É curioso como a solução, na visão desses gurus da meritocracia, nunca passa por melhorar as condições de quem já está ralando, mas sempre por exigir que quem está no chão de fábrica ou no balcão do comércio simplesmente “se vire”.
A escala 6x1, aliás, é um reflexo de um país que ainda se alimenta de uma cultura de exploração. “Ah, mas isso é legal, está na CLT”. Pois é, fugitivo, a escravidão também já foi legal. O que é permitido por lei nem sempre é justo, e o que é justo nem sempre é prioridade.
Por trás dessa lógica, existe uma narrativa perigosa: quem trabalha demais é herói, quem descansa é preguiçoso. Mas heróis também cansam, adoecem e, no final, desistem. Porque, sejamos francos, não há heroísmo em um sistema que celebra a produtividade ao mesmo tempo que destrói a saúde mental e o direito ao lazer.
E aí vem outro dilema: enquanto o trabalhador 6x1 luta por tempo para si, há quem critique quem recebe programas sociais, como o Bolsa Família. “R$ 600 para fazer nada? Que absurdo!” Absurdo mesmo é quem não entende que esse dinheiro é o que separa milhões da fome. Porque, ao contrário do que dizem, não é “fazer nada”. É sobreviver em um país que, mesmo em 2024, ainda trata dignidade como um luxo e não como um direito.
Se a escala 6x1 é um placar, ele só serve para nos lembrar de que o jogo está longe de ser justo. E enquanto o apito final não chega, é sempre o trabalhador quem paga o preço mais alto – com o corpo, com a mente, com a vida que poderia ser mais do que apenas trabalhar para viver.
Laís Sousa
Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!@laissousa_
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