Novembro e o contrato não assinado


Reprodução BBC

Chegou novembro, e com ele o Enem trouxe para a mesa um tema que, para muitos, é uma página não só bizarra, mas frequentemente arrancada do livro: a valorização da herança africana. Agora, imagine aí a ansiedade de um estudante que, sem muito conteúdo ou referências além das aulas rasas, se depara com a tarefa de dissertar sobre o que, muitas vezes, nunca lhe ensinaram. E a ironia já começa aqui, não? Nos bancos escolares, onde era para florescer o conhecimento, o silêncio sobre heranças africanas ainda predomina. Como escrever, então, sobre aquilo que sempre foi ocultado?

Mas o tema vai muito além das linhas da redação. Quantos de nós crescemos sabendo citar três autores negros ou entender o que “branquitude” significa na prática? No espelho da sociedade, a imagem refletida tende a embranquecer o que e quem foi essencial para o país. Afinal, quem é ensinado a reverenciar Luísa Mahin, Dandara, Zumbi ou Luís Gama com o mesmo fervor que tratamos os “grandes” personagens europeus da história oficial? Se para alguns esses nomes soam vagos, é porque nossa formação não os contemplou. E isso já é um indicativo gritante do que falta em nossa história e nos nossos valores.

No fim das contas, o racismo estrutural vai muito além do óbvio. Ele está nas ausências: das referências negras nos currículos, das vozes negras nos espaços de decisão e nas narrativas de sucesso, dos nomes apagados de quem realmente lutou pela liberdade. Neste novembro, o mês da “paciência negra”, precisamos rever as ausências e silêncios com os quais convivemos, tanto no discurso de reconhecimento quanto nas atitudes diárias que reforçam a desigualdade. Porque essa luta – e o Enem lembrou isso a muitos – não se trata de uma história parada no passado, mas de uma ação contínua, que exige coragem para rever as próprias crenças e humildade para admitir o racismo em si.

Novembro é convite e desafio para quem se diz “não racista”, mas não encontra em si o compromisso de honrar a história negra, não como um favor, mas como reparação.


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
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