Política: a quem interessa o seu desinteresse?
Estamos na reta final do primeiro turno das eleições municipais, e, claro, este é o assunto. Como já é de costume, desde o início oficial da campanha eleitoral, figuras inusitadas surgiram na disputa por uma cadeira nas câmaras de vereadores por todo o país, escândalos envolvem prefeituráveis e performances em debates viram memes. Puro suco de Brasil, alguns diriam, não é mesmo? Mas para além das coisas já esperadas, temos os descalabros, que não nascem da noite para o dia. É bom que se diga.
Um Pablo Marçal concorrendo à prefeitura de São Paulo, por exemplo, é um desses absurdos que só são possíveis graças à demonização da política, que faz com que os cidadãos se interessem cada vez menos por aquilo que permeia todas as áreas das nossas vidas. Esse distanciamento entre o povo e aqueles que devem representá-lo certamente é muito útil para quem deseja manter as coisas exatamente como estão. E se repararmos bem direitinho, logo vamos perceber que, quanto mais a pessoa se diz avessa à política, quanto mais alheia, mais suscetível está a “cair no papo” dos enganadores que se passam por antissistema, quando, na verdade, representam aquilo que o sistema tem de pior. Já vimos esse filme antes!
O escritor, sociólogo, professor e pesquisador Jessé Souza diz que ninguém nasce imbecil ou sem noção de mundo. A gente é feito de imbecil por forças que têm interesse nisso. Ainda que o termo pareça pesado, é bem apropriado para nos trazer a noção do quanto somos manipulados. Autor de mais de 20 livros dos quais se destacam “A classe média no espelho, “A ralé brasileira” e “A Elite do atraso: da escravidão à Lava Jato” – que depois de Jair Messias Bolsonaro ter sido eleito Presidente da República foi revisto e ampliado para “A Elite do atraso: da escravidão a Bolsonaro –, Jessé Souza é um crítico ferrenho de alguns pensamentos enraizados em nossa sociedade.
No combate ao nosso famigerado complexo de vira-lata, o escritor, corajosamente, desconstrói a ideia de que a política e o Estado são os únicos responsáveis pelos graves problemas do país. Para isso contesta as teorias de outros renomados pensadores, como Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto DaMatta, que colaboram para fomentar a percepção equivocada de que somos um povo corrupto por natureza. Esta nossa reflexão de hoje está para além do período eleitoral.
Quem nunca ouviu alguém utilizar o termo “jeitinho brasileiro” para se referir à malandragem, à desonestidade? Como é que aceitamos tão passivamente tamanha depreciação de nós mesmos? Chegamos a este ponto porque perdemos, em grande medida, nossa capacidade de autoanálise. Jessé Souza aponta o mercado financeiro como saqueador da população através dos juros, além de denunciar a mídia hegemônica como omissa no papel de informar de fato, contribuindo para a distorção da nossa realidade. Isso talvez explique boa parte da cegueira que temos em relação à forma como a nossa sociedade foi construída e como pensa e age a nossa elite.
Como eu já lembrei em outro texto nesta coluna, o homem é um animal político, de acordo com o grande filósofo Aristóteles. Poderíamos, então, negar aquilo que verdadeiramente somos? Creio que não.
Se entendermos que a corrupção na política existe sim, mas não representa nem metade daquilo que nos fizeram acreditar a vida inteira, conseguiremos, enfim, enxergá-la como ela realmente é: um instrumento de melhoria e transformação das nossas vidas.