Pix para São Jorge, favor de Iemanjá
Sábado, 29 de janeiro de 2022. Paula e eu saímos do Leme no finalzinho da tarde e fomos andando até Copacabana. O plano era chegarmos à estátua de Carlos Drummond de Andrade, mas depois de certo tempo, algumas paradas, patinetes e várias fotos no movimentadíssimo calçadão, Dinho, meu amigo, ator baiano que mora no Rio, pelo celular, me alertou que o poeta estava ainda muito distante. Praticamente no final de Copa, já chegando em Ipanema. Decidimos visitar Drummond noutra ocasião.
Já era noite. Corremos para a faixa de areia, chegamos ao mar. Saímos do mar. Era véspera do concurso da UERJ, que me levou ao Rio pela terceira vez. Para a minha amiga e parceira de aventuras, era a primeira. Imagine, caro leitor, estimada leitora, duas baianas loucas na zona sul carioca! Uma, apaixonada confessa por toda aquela beleza e por todo o caos. A outra, completamente enfeitiçada pelos encantos da cidade maravilhosa!
Por um instante, me descuidei e uma onda mais forte levou minhas sandálias. Consegui salvar um pé. Paula, embora tenha se esforçado, não pôde pegar o outro. Ela, tentando me consolar, disse:
– A onda traz de volta!
Eu sabia que sim. Mas quando? Meio atordoada, contemplava o mar, que naquele momento se fez agitado. Pensei em como fazer o trajeto de volta. Descalça seria impossível. De repente, uma súplica:
– Oh Iemanjá, devolva minha sandália!
Permanecíamos ali, estáticas! Preocupada em me cortar num caco de vidro qualquer, já calculava atravessar a Avenida Atlântica e procurar um supermercado, quando um casal de meia idade passou por nós. Não sei o porquê, mas aquele homem e aquela mulher atraíram a nossa atenção instantaneamente! Passamos a acompanhá-los com os olhos. A uma distância de aproximadamente 10 metros, a mulher se abaixou e catou alguma coisa na areia. Minha amiga, surpresa, disse:
– Tua sandália. A mulher achou tua sandália! Disparamos em direção ao casal. Eu gritava:
– É minha, é minha, sacudindo o outro pé, que estava em minha mão.
Enquanto eu agradecia, Paula explicava o que tinha acontecido e contava sobre o meu pedido. O homem então falou que a esposa era filha de Iemanjá. Os dois continuaram a caminhada. Ficamos no mesmo lugar por uns bons minutos, impactadas, arrepiadas! Choramos! Foi tudo muito rápido e intenso. Não entendíamos o motivo de eu ter sentido tanto a perda de um calçado, a ponto de recorrer a Iemanjá com um querer tão profundo, mas nós compreendemos o que tínhamos acabado de vivenciar!
Lembrei-me que noite anterior, num bar da Lapa, fomos abordadas por uma moça que no dia seguinte (sábado), faria uma cerimônia em homenagem a São Jorge, por isso estava arrecadando donativos. Eu, devota do santo guerreiro e delatada por minha amiga, sem dinheiro em mãos, fiz um pix para a mulher, que estava toda paramentada. Em tom de brincadeira, fazendo alusão a esse episódio, comentei que dei uma oferta para um santo e a graça veio de outra, já que no contexto do sincretismo religioso, Iemanjá, para os católicos, é Nossa Senhora dos Navegantes, ou Nossa Senhora da Conceição. Como sou muito imaginativa, me ocorreu a ideia de que São Jorge (Ogum) de quem sou filha, de acordo com a astrologia, intercedeu por mim junto à rainha do mar.