Relembre artistas que foram perseguidos durante a ditadura militar brasileira

O regime da ditadura militar que aconteceu no Brasil entre os anos 60 e meados dos anos 80 foi uma das épocas mais sombrias da história do país, onde a censura, a violência e a tortura se tornaram coisas frequentes e perseguiram arduamente os cidadãos brasileiros. E não seria diferente para os artistas que estavam em atividade por aqui em meio ao período ditatorial, mas, apesar disso, muitos deles decidiram colocar a cara a tapa e enfrentar essa fase. 

Entre esses artistas estava Raul Seixas. O primeiro disco do cantor, o “Krig-ha, Bandolo!”, foi lançado em 1973 e logo chamou atenção do DOPS - o Departamento de Ordem Política e Social - que era o órgão responsável por identificar os “inimigos do regime militar”. Tanto o Raul quanto o Paulo Coelho, o seu parceiro de composições da época, tiveram que dar explicações sobre o significado da expressão “Krig-ha, bandolo!”, o título do disco. Paulo respondeu que aquela frase significava algo como “Cuidado com o inimigo!”, uma afirmação que levantou ainda mais suspeitas, mas completou sua fala dizendo que tal citação havia sido retirada de um gibi do personagem Tarzan e que esse era um grito de guerra do personagem. 

Capa do disco “Krig-ha, Bandolo!” (1973)

Outra coisa que levantou suspeitas dos militares foi a  “Sociedade Alternativa”, citada na faixa de mesmo nome e que está presente no álbum “Gita”, de 1974. O verso “Então vá e faça o que tu queres, pois é tudo da lei” fez com que os oficiais do DOPS acreditassem que a Sociedade Alternativa seria um grupo vinculado aos ideais esquerdistas e contrário ao regime. Por conta disso, a casa de Raul e a casa de Paulo foram invadidas por agentes em busca de documentos que comprovasse a existência da tal sociedade, além de ambos terem sido presos e torturados. Paulo apanhou na prisão e Raul afirmou até ter levado choque dos agentes durante seu período de detenção. A Sociedade Alternativa, na verdade, é uma filosofia de pensamento que foi desenvolvida pelo ocultista britânico Aleister Crowley.

Raul Seixas (à esquerda) e Paulo Coelho (à direita)

Chico Buarque, um dos nomes mais importantes e conhecidos da Música Popular Brasileira, também se tornou alvo de perseguição durante o período da ditadura. Os problemas entre o cantor e os militares começaram em 1968, quando se soube que o artista foi um dos participantes da “Passeata dos Cem Mil”, uma manifestação contra o regime militar. Além disso, Chico foi o criador da peça “Roda Viva”, que estreou no mesmo ano. Durante uma apresentação da peça, em julho, no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, alguns membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiram o teatro e espancaram os atores em um ato de censura. Meses depois, em setembro, o episódio se repetiu no Rio Grande do Sul. Para Mário F. Russomanno, o responsável por proibir o espetáculo, a peça era degradante e subversiva. 

Chico Buarque e Gilberto Gil na Passeata dos Cem Mil, em 1968

Chico Buarque se auto exilou na Itália em 1969 e por lá compôs grandes canções de protesto, como “Cálice”, composta em parceria com Gilberto Gil e interpretada com participação de Milton Nascimento, e  “Apesar de Você”. Ele havia se tornado um dos alvos preferidos da censura e então teve a ideia de criar um novo pseudônimo, o Julinho da Adelaide, que funcionava como uma “nova pessoa” ou um personagem pelo qual seria possível lançar mais trabalhos. Com esse pseudônimo, Chico Buarque, ou melhor, o Julinho da Adelaide, lançou somente três músicas. O artista voltou para o Brasil em 1970, após um ano e dois meses de auto exílio.

Chico Buarque, sua esposa, Marieta Severo, e sua filha, Silvia, na pista
de pouso do aeroporto do Galeão ao retornar para o Brasil em 1970
Reprodução: Agência O GLOBO

E por falar em Gilberto Gil, o artista baiano também não escapou das perseguições militares. Além de Gil, Caetano Veloso também foi outro nome que entrou no radar dos militares e os dois artistas inclusive foram presos juntos. O episódio que culminou na prisão da dupla aconteceu em um show feito com o grupo Os Mutantes, que contava com Rita Lee e também foi alvo dos militares. Gil e Caetano ficaram presos entre o fim de 1968 e fevereiro de 1969 e enquanto esteve detido Gil compôs faixas como “Cérebro Eletrônico” e “Vitrines”. Após serem soltos, os artistas optaram pelo auto exílio e começaram a morar em Londres, país onde permaneceram durante alguns anos.

Gilberto Gil e Caetano Veloso em Londres, em 1969

Ambos os artistas só retornaram para o Brasil no ano de 1972. Em um artigo publicado pelo jornal britânico The Guardian, em 2010, Gil e Caetano relembraram dos seus principais aprendizados e memórias em solo europeu. “Nunca quis viver fora do Brasil, mas Londres é uma das cidades mais interessantes do mundo, e tenho sorte de ter vivido lá.”, relatou Gilberto Gil, enquanto Veloso declarou que as experiências vividas durante o exílio fizeram com que eles se tornassem músicos mais criativos e pessoas mais fortes. 

O regime da ditadura se encerrou oficialmente em 1985, com a eleição de Tancredo Neves de forma indireta para a presidência do Brasil. Porém, mesmo quase quarenta anos depois, ainda são visíveis as consequências na sociedade brasileira em dias atuais, como grupos que apelam para violência, a desinformação e para manipulação. A arte sempre foi e sempre será a melhor resposta para seguir se impondo em busca de um mundo onde a liberdade de expressão seja um direito básico para todos e que permita a cada cidadão ter suas próprias opiniões sem sentir medo da censura e da repressão. Ditadura nunca mais!


Danilo Souza

Estudante de Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), músico e produtor audiovisual independente.

danilosouza.jornalismo@gmail.com (Email)
@danilosouza.jornalismo (Instagram)

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