Mas, porém, contudo, todavia...

Foto: Reprodução


 

Por Lays Macedo

 

Sei lá, aos 5 anos aprendi que não poderia sentar de forma confortável. “Pernas fechadas!” “Senta como uma moça!” Nenhum dos meus primos foi podado da mesma forma. Nem uma vez só que fosse. Mas a falta de igualdade nos tratamentos entre homens e mulheres, infelizmente, não era exclusividade entre as paredes da minha casa. E não ficavam restritos apenas a comportamentos impostos e esperados.

Homens e mulheres não são iguais. Óbvio. Homens e mulheres não têm acesso a direitos e garantias fundamentais de formas iguais. Terrível. Historicamente, fica evidente como uma sociedade patriarcal desenha os limites sociais e os acessos a espaços de poder e nega autonomia às mulheres. Ah, tô exagerando? Antes fosse! Bora para datas e fatos aqui no Brasil porque eu trabalho com dados.

1827 - Mulheres foram autorizadas a ingressar nos colégios e estudar além da escola primária. 

1879 - As portas das universidades foram abertas à presença feminina.

1932 - O voto feminino foi garantido pelo primeiro Código Eleitoral brasileiro - mas a garantia foi apenas para mulheres com renda própria ou casadas com autorização dos maridos.

1962 - Mulheres casadas não precisavam mais da autorização do marido para trabalhar. A partir de então, elas também passaram a ter direito à herança e à chance de pedir a guarda dos filhos em casos de separação.

1965 - Agora, sim, o voto realmente se tornou direito de todas as mulheres! Quando saímos do rol de “incapazes” mencionado pelo artigo 6º do Código Civil em 1962 e somos enquadradas como aptas ao voto no Código Eleitoral de 1965.

1974 - Cartões de crédito deixam de ser exclusividade de homens, e mulheres conquistam esse grande direito, que é a cara do capitalismo. O pior é que mulheres solteiras ou divorciadas que solicitassem um cartão de crédito ou empréstimo eram obrigadas a levar um homem para assinar o contrato até 1974, gente.

1977 - A Lei do Divórcio é aprovada. Infelizmente, o direito não alterou a pressão social que manteve muitas mulheres em casamentos infelizes e abusivos, por medo de serem julgadas caso se divorciassem.

1979 - Mulheres garantem o direito à prática do futebol. IM - PE - DI - DAS! Não podiam praticar esportes incompatíveis com as “condições de sua natureza feminina”. Até hoje a gente vê o efeito dessas restrições na desvalorização em relação às jogadoras e ao futebol feminino.

1985 - É criada a primeira Delegacia da Mulher  em São Paulo e, logo depois, outras unidades começam a ser implantadas em outros estados. A ideia era mesmo ter um lugar específico para lidar com violências doméstica e sexual contra mulheres.

1988 - É chocante, mas somente a Constituição Brasileira de 88 passou a reconhecer mulheres como iguais a homens. Aí, dá uma tristeza, sabe? Nem na teoria a gente era gente.

1997 - Lei das Eleições estabelece que "cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo". Na prática, muitas mulheres passaram a ocupar vagas apenas para cumprir o estipulado pela lei.

2002 - Falta de “virgindade” deixa de ser motivo para anular o casamento. Sim, aquele pedacinho de membrana que não tem função biológica e define o “valor” de uma mulher era motivo para um homem exigir legalmente a anulação do matrimônio até 2002.

2005 - Casamento da vítima com estuprador deixou de ser motivo para anulação do crime. Nunca foi sobre nossa proteção, é sobre essa tal de “honra” que também nunca nos foi autorizada com autonomia também.

2006 - Lei Maria da Penha é sancionada. Foi de graça? Lógico que não! O Brasil só sancionou a lei para combater a violência contra a mulher por conta de muita luta mesmo. Maria da Penha precisou ser vítima de duas tentativas de homicídio e brigar por quase 20 anos, inclusive em instâncias fora do país, para conseguir que seu agressor fosse devidamente penalizado.

2010 - Dilma Rousseff é a primeira mulher eleita presidente da República no Brasil, por mais de 56% dos votos válidos.

2015 - Lei do Feminicídio é aprovada. O 5º país que mais mata mulheres por ser mulheres* no mundo e tem uma média de registro de 1 mulher vítima desse tipo de crime a cada 7 horas** reconheceu o feminicídio como um crime de homicídio qualificado somente em 2015.

2016 - Plenário do Senado passa a ter um banheiro para as senadoras, mais de 55 anos depois da inauguração do prédio do Congresso.

2018 - Importunação sexual passou a ser considerada crime. As situações de assédio e violência no dia a dia, que diziam ser piada, paquera, flerte e nunca deixaram de ser violência, se tornaram crimes previstos em lei.

2021 - Violência política de gênero foi criminalizada no Brasil. A participação das mulheres na política não pode ser alvo de violência ou até mesmo de execução, como no caso da vereadora Marielle Franco, em 2018.

2021 - Perseguição passa a ser crime. O tal do "stalker" pode ser denunciado - aquele que "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade".

2021 - Lei Mariana Ferrer, que protege vítimas de crimes sexuais em julgamentos, é sancionada. Sim, atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos se tornaram crimes com pena aumentada depois da repercussão do caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, que denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa em Santa Catarina, em 2018, e, durante o julgamento, a defesa do acusado fez menções à vida pessoal de Mariana, inclusive se valendo de fotografias íntimas.

2022 - Sancionado Projeto de Lei que tipifica crime de violência institucional. O objetivo é impedir que a vítima reviva a situação de violência. A Justiça deve ser vista como local de acolhimento da vítima e de repreensão correta e justa para cada crime, e agentes públicos e operadores do direito devem proteger vítimas e testemunhas, especialmente no âmbito das instituições públicas. Nada de perguntas invasivas desnecessárias ou exames vexatórios, por exemplo.

Preciso citar que o feminismo, como movimento sociopolítico, é ferramenta para conquista dessas mudanças e conquistas? Tô meio cansada hoje, espero que não haja dúvidas quanto a isso, certo? Mas, assim, estamos em 2022, não tenho mais 5 anos e ainda tenho enfrentado briga feia e cruel para garantir dignidade à minha existência, por exemplo. Coisa atrasada, injusta, violenta e sem qualquer vislumbre daquele papinho de que “homens e mulheres são iguais”. Ah, mas não somos mesmo! E tudo na nossa sociedade faz questão de deixar isso bem evidente. Uma pena ainda ser a via de penalização, não a da educação, a nossa grande aliada prática na busca por mudanças de cenário.

* Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).

** Brasil contabilizou 1.350 casos de feminicídio em 2020 - um a cada seis horas e meia, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 

Com informações do site Agência Senado e do portal de conteúdos Nossa Causa.

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Sobre a autora: Lays Macedo é jornalista - orgulhosa por ser da Uesb - e estudiosa do feminismo - ativa e atuante. Também faz parte do quadro da segurança pública da Bahia. Adora conversas e tudo aquilo que disseram para ela que mulher não pode.

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