Vozes que transformam: inclusão social como direito, não como favor

  • Júnior Patente
  • Atualizado: 24/12/2025, 02:36h

Ao completar um ano no ar, o programa Inclusão em Foco, da Mega Rádio, reafirmou sua essência ao promover um debate profundo, sensível e necessário sobre inclusão, diversidade e transformação social. O estúdio se tornou espaço de escuta e resistência ao receber duas mulheres cujas trajetórias se confundem com a própria luta por dignidade: a psicóloga e neuropsicóloga Marta Amorim, da Clínica Therapéia, e Vitória Aparecida, fundadora e presidente da Associação Conquistense para Atendimento Especializado à Pessoa Autista (ACAEP A).

Mais do que entrevistas, o encontro revelou vivências marcadas pela exclusão estrutural, mas também pela coragem de romper silêncios e transformar dor em ação coletiva. Marta Amorim compartilhou sua história como mulher com deficiência física decorrente da poliomielite, adquirida ainda na infância, em um contexto de ausência de políticas públicas e de uma sociedade profundamente capacitista. Crescer ouvindo “não pode” foi parte da sua formação, em um tempo em que pessoas com deficiência eram invisibilizadas, interditadas e afastadas de espaços básicos da vida social.

Mesmo diante dessas barreiras, Marta construiu uma trajetória acadêmica sólida, atuou por 35 anos na docência e fez da sua própria vivência um instrumento de militância cotidiana. Para ela, a maior barreira ainda não é apenas a falta de rampas ou de acessibilidade física, mas a chamada “inacessibilidade atitudinal” — o preconceito, a infantilização e o olhar que desqualifica. “O problema não está na pessoa com deficiência, mas em um mundo que não foi pensado para a diversidade humana”, defende.

Essa visão encontra eco na história de Vitória Aparecida, que conheceu o autismo a partir da maternidade. Mãe de Gustavo, diagnosticado aos quatro anos, ela relata que o laudo, longe de representar um fim, foi libertador. “O diagnóstico não é sentença, é o início de uma jornada”, afirma. Diante da falta de atendimento adequado, informação e acolhimento, Vitória transformou o desespero em mobilização social. Assim nasceu a ACAEPA, fundada em 2017, hoje responsável por atender cerca de 100 crianças, jovens e adultos autistas em Vitória da Conquista — sem apoio financeiro fixo do poder público ou da iniciativa privada.

O relato de Vitória expõe uma realidade alarmante: famílias chegam à associação emocionalmente destruídas, muitas vezes sem qualquer suporte, enfrentando preconceito, abandono e ausência de políticas públicas eficazes. A associação se tornou, para muitos, o último porto seguro. “Não é só a criança que precisa de cuidado, a família inteira precisa ser restaurada”, resume.

Ao longo do bate-papo, as entrevistadas convergiram em um ponto central: inclusão não pode ser apenas discurso ou letra morta em leis. Embora existam avanços legais, falta garantir a permanência, seja na escola, na universidade ou no mercado de trabalho. Pessoas com deficiência e neurodivergências continuam sendo empurradas para fora por falta de preparo institucional, formação adequada e compromisso real do Estado e da sociedade.

Marta também chamou atenção para a complexidade do diagnóstico, que carrega dois impactos simultâneos: o risco de maior exclusão social e, ao mesmo tempo, a possibilidade de acesso a direitos, compreensão e caminhos mais assertivos. “A exclusão já existe antes do laudo. O diagnóstico apenas dá nome ao que já marginaliza”, pontua. Ainda assim, ela reforça que informação é ferramenta de libertação e que a mídia tem papel fundamental na desconstrução de estigmas.

O programa deixou claro que a luta por inclusão social não diz respeito apenas às pessoas com deficiência ou ao autismo. Trata-se de um projeto de sociedade que reconheça a diversidade como regra, não exceção. Uma sociedade que pare de exigir adaptação de quem já vive à margem e passe a se transformar para acolher todos.

Ao final, Vitória fez um apelo direto à população, empresários e poder público para que olhem com responsabilidade para a causa do autismo, especialmente em datas simbólicas como o Natal. “Sozinha, ninguém consegue. Inclusão só acontece quando é coletiva”, reforçou.

As histórias de Marta Amorim e Vitória Aparecida são provas vivas de que a transformação social começa quando a exclusão deixa de ser naturalizada e passa a ser enfrentada. Não como caridade, mas como direito.

Assista toda a entrevista

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