Educação antirracista: desafios e caminhos para além do Novembro Negro
Para o professor Paulo Melgaço, o Novembro Negro é um momento de reviver a luta do povo negro pela igualdade e pela representatividade, reverenciando os ancestrais e refletindo sobre os caminhos do antirracismo. Ele destaca que, embora o mês tenha um significado especial, a luta antirracista deve acontecer todos os dias do ano, pois o racismo está presente permanentemente na sociedade, nas diversas formas de discriminação e violência.
A lei 10.639/2003: avanços e desafios
A lei que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas é um marco importante que reconhece o Brasil como um país racista e a necessidade de valorizar a cultura negra. No entanto, Melgaço ressalta que essa legislação, que tem 22 anos, ainda não é suficiente nem efetiva, pois muitas escolas a aplicam apenas no dia 20 de novembro ou tratam os temas de forma folclórica e estereotipada. Ele lembra que o enfrentamento do racismo deve ser uma responsabilidade de toda a escola e de todas as disciplinas, inclusive as chamadas “disciplinas do núcleo duro” como matemática, química e biologia, e não apenas das disciplinas previstas pela lei.
O racismo estrutural na escola
O professor comenta que o racismo estrutural e a herança da escravidão afetam diretamente o desempenho escolar de crianças e jovens negros. Isso está relacionado à baixa expectativa que profissionais de educação têm em relação a esses estudantes, à falta de reconhecimento nas matérias, nos livros didáticos e na rotina escolar, o que acaba naturalizando a reprovação e a evasão escolar. Ele destaca que o apagamento das culturas negra e indígena na escola reforça esse problema, refletindo o racismo colonial estrutural presente até hoje.
A cultura negra no currículo escolar
Melgaço aponta que transformar a presença da cultura negra em parte do currículo significa trazer para o cotidiano a história, a música, as danças, as religiões e os saberes negros, que são muitas vezes invisibilizados. É necessário que esses elementos apareçam nas escolas não apenas no dia da Consciência Negra, mas durante todo o ano letivo, sendo incorporados em livros, cartazes e nas falas dos professores. Ele também defende que as teorias acadêmicas e científicas incluam as contribuições africanas, disseminando uma visão menos eurocêntrica.
O papel dos gestores e da comunidade escolar
O entrevistado enfatiza que o comprometimento da gestão escolar é fundamental para garantir o engajamento de toda a escola (professores, funcionários e familiares) na luta antirracista. O projeto político-pedagógico deve formalizar essa prioridade e respaldar as práticas antirracistas no cotidiano escolar. A participação das famílias e responsáveis também é essencial para fortalecer essa construção coletiva.
Primeiros passos para a educação antirracista
Para iniciar ou fortalecer uma prática antirracista, Melgaço indica que o primeiro passo é reconhecer que todos são racistas, em maior ou menor grau, e que o Brasil é um país racista. É preciso quebrar o mito da democracia racial e compreender que pequenas atitudes reproduzem o racismo. Além disso, deve-se reconhecer a branquitude como uma raça detentora de privilégios que precisam ser questionados. A partir desse reconhecimento, a escola pode trabalhar cotidianamente para desenvolver uma educação antirracista que envolva todos os membros da comunidade escolar e que seja parte do dia a dia, desde a entrada na escola até o currículo.
Essa entrevista reforça que a educação antirracista é um compromisso permanente e abrangente, que precisa estar presente não só em políticas e documentos, mas também em práticas concretas diárias na escola e na vida social. A valorização da cultura negra, a desconstrução do racismo e o envolvimento da gestão e da comunidade são pilares para uma educação mais justa e igualitária.
Confira a entrevista concedida ao programa INCLUSÃO EM FOCO.







