Consciência Negra: por que a educação antirracista precisa sair do calendário e entrar no cotidiano

João José e Paulo Melgaço
  • Júnior Patente
  • Atualizado: 17/11/2025, 10:09h

Novembro chega e, com ele, as homenagens a Zumbi dos Palmares, símbolo maior da resistência negra no Brasil. O dia 20, marco da Consciência Negra, movimenta escolas, instituições e comunidades em todo o país. Entretanto, ainda é necessário reforçar uma verdade incômoda, mas urgente: celebrar a luta de Palmares é um ato político diante da desigualdade estrutural que persiste, e não pode se limitar a cartazes, palestras ou atividades temáticas de um único mês.

A Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, já representou um avanço significativo. Mas, como reforçam especialistas, ela não dá conta sozinha de corrigir séculos de apagamento, violências simbólicas e desigualdades que moldaram o país e atravessam diariamente o ambiente escolar.

“Pensar uma educação antirracista é pensar uma luta cotidiana”, afirmam os educadores João José do Nascimento, mestre em Filosofia, e Paulo Melgaço da Silva Junior, doutor em Educação. Para eles, esse compromisso exige um posicionamento ético-político capaz de romper com a lógica construída ao longo de mais de três séculos de escravidão — uma lógica que, ainda hoje, determina quem ocupa quais espaços, quem é visto, quem é silenciado e quem, muitas vezes, está condenado a um fracasso escolar programado.

Quando a escola ignora a presença africana que pulsa em seu cotidiano

Parte do desafio está em reconhecer que a cultura africana não é algo distante, apenas tema de livros ou eventos pontuais. Ela está no ritmo do samba e do funk dançados no recreio; nas tranças e nos cabelos crespos que carregam ancestralidade; nos gestos, nas comidas, nas cores vibrantes, na musicalidade e no modo de falar dos estudantes.

Tudo isso é currículo — e currículo vivo, como defendem os autores. Se cada escola é autônoma para construir suas práticas e projetos pedagógicos, cabe às equipes docentes e gestoras a sensibilidade de integrar essa herança de modo legítimo e contínuo.

Gestores: o compromisso começa no Projeto Político Pedagógico

A gestão escolar também precisa assumir seu papel. Nas formações tradicionais de gestores, o tema da educação antirracista ainda aparece de forma tímida ou quase inexistente. Por isso, os autores enfatizam que cabe às escolas decidir, politicamente, incluir o combate ao racismo no centro do planejamento pedagógico — e o Projeto Político Pedagógico (PPP) é o instrumento mais poderoso para isso.

A Constituição de 1988 e as Diretrizes Curriculares Nacionais sobre educação das relações étnico-raciais dão base para esse compromisso, mas é a decisão dos gestores que transforma normas em práticas.

Família e escola: parceria que forma cidadãos para uma nova humanidade

Outro ponto fundamental é compreender que combater o racismo não é tarefa exclusiva da escola. A família precisa dividir essa responsabilidade. Conversas, reflexões, questionamentos e construção de valores devem estar presentes em casa, assim como na sala de aula.

Uma parceria ética entre famílias e instituições de ensino é o caminho para formar cidadãos protagonistas de uma sociedade verdadeiramente plural — uma sociedade em que todas as crianças, independentemente de cor ou origem, tenham as mesmas oportunidades e se reconheçam como parte integral do país.

Essa construção pode acontecer em rodas de conversa, atividades culturais, cinema, artes e práticas que valorizem, de forma concreta, a diversidade que compõe o Brasil.

Para além do novembro negro

Celebrar o Mês da Consciência Negra é importante, mas insuficiente. A educação antirracista precisa romper o calendário, ocupar o cotidiano e transformar mentalidades. Esse é o convite — e o alerta — que João José do Nascimento e Paulo Melgaço falam no livro “Caminhos Para Uma Educação Antirracista: teorias e práticas docentes”.

O legado de Palmares não se honra apenas com eventos, mas com ações diárias que garantam que nenhuma criança seja invisibilizada e que a escola, como dizia Paulo Freire, siga sendo uma prática da liberdade e da esperança.

Porque combater o racismo é tarefa de todos — todos os dias.

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