Alice Martins Alves é assassinada em Belo Horizonte
Escrita por Lucas Eduardo
Em mais um caso de feminicídio e transfobia, a morte de Alice Martins Alves, uma mulher transgênero de 33 anos de idade, é mais uma prova de que o sistema heteronormativo descarta corpos dissidentes como prática do cotidiano. Segundo informações da Itatiaia, câmeras de segurança próximas ao local onde o crime aconteceu registraram a ação do homem agressor e a presença de outros dois homens como testemunhas. A ocorrência aconteceu no dia 23 de outubro de 2025 na Savassi, bairro de Belo Horizonte.
A investigação segue em curso e, o que se sabe até o momento é que Alice Martins era uma assídua frequentadora do bar e que, por não pagar uma conta de R$22, três homens funcionários do estabelecimento a perseguiram e a violentaram, segundo informações divulgadas pela CNN. Outro funcionário do estabelecimento chegou a declarar que a moça nunca deixava de pagar seus consumos, e que portanto, a situação toda poderia ter sido evitada. Não que o ato de não pegar uma conta deve significar a morte de uma pessoa, abro um parêntesis. Ainda segundo ele, os três responsáveis pelo crime não voltaram a frequentar o local desde então.
A vítima chegou a prestar boletim de ocorrência e dar entrada no hospital após as agressões, vindo a falecer, infelizmente, no dia 9 de novembro após complicações no quadro de saúde. É importante salientar que o caso de Alice não se faz isolado. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA), foram contabilizadas 5362 pessoas assassinadas no Brasil em decorrência de transfobia entre os anos 2000 e 2021, aliado ao fato de que a expectativa de vida de uma pessoa trans não chega aos 35 anos de idade. É claro, essas estatísticas não são absolutas, levando em conta as mortes que não foram registradas ou mesmo denunciadas.
O número alarmante de mortes escancara a falta de políticas públicas de proteção para pessoas gênero dissidentes. Não é à toa que o Brasil lidera o ranking de países que mais matam a comunidade trans pelo 17º ano consecutivo, ou seja, desde o ano 1 da pesquisa Trans Murder Monitoring.
Existem caminhos possíveis para minimizar as ações transfóbicas, como indica a Transgender Europe (TGEU), organização não governamental internacional. Dentre as medidas sugeridas estão: o estabelecimento de legislação específica sobre crimes de ódio direcionados às pessoas trans, investimento em formações de políticas públicas de proteção sob determinados recortes sociais (raça, gênero, classe, sexualidade), apoio infraestrutural para organizações que priorizam o levantamento de dados criminais, e também em pesquisas que apontam as causas das ocorrências, assim como romper com a criminalização do trabalho sexual, parte da vida de trabalho de grande parcela da classe.
Em 2025, foram 281 casos reportados no Brasil e não existe perspectiva de melhora nos dados estatísticos. É extremamente necessário que casos como o de Alice Martins Alves tomem proporções nos noticiários e veículos de comunicação. Vozes da câmara dos deputados, federais e estaduais, como a de Erika Hilton, Duda Salabert e Guilherme Cortez se manifestaram nas redes sociais e servem como alavanca para a tentativa de fazer o caso ganhar reconhecimento nacional. A deputada Hilton, inclusive, enviou um ofício para a polícia civil de Belo Horizonte que agora investiga o caso a partir do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios.
A partir disso, e também como ação possível para humanizar esses corpos, a celebração de grandes nomes nacionais de pessoas trans se faz essencial. A cantora Liniker acaba de ganhar 3 gramofones no Latin Grammy com o sucesso Caju, única indicada brasileira nas três maiores categorias de Disco do Ano, Gravação do Ano e Música do Ano; a também cantora Urias lançou esse ano o celebríssimo disco Carranca, que utiliza de referências da MPB clássica e agrega vozes como a de Marcinha do Corintho, artista travesti de Belo Horizonte; Ian Guimarães Habib, diretor do Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA), iniciativa apoiada a partir de editais de fomento à cultura; e até mesmo as já citadas Erika Hilton e Duda Salabert, deputadas com voz ativa na câmara dos deputados que propõem projetos voltados para as populações subalternizadas.
As vivências de mulheres trans e travestis não podem deixar de ecoar. É a partir do fomento de pautas em que estão centradas vozes de pessoas trans, de celebrações de vitórias como a de Liniker, e também do alarde de histórias sobre ações criminosas que matam pessoas todos os dias, que podemos pensar em existir em um mundo que visualiza corpos e identidades diversas como possíveis e dignas de sobrevivência para além da expectativa de 35 anos de idade.
Alice Martins Alves era filha de Edson Martins e estava empenhada em abrir um negócio com o pai. “Há um bom tempo vinha estudando receitas e íamos abrir um negócio de venda de comidas", afirma seu Edson. “Alice enfrentava muitos perigos, mas ela saía com altivez para curtir a vida que, infelizmente, foi ceifada por alguém que não tem nenhum respeito ao amor e à vida".







