A Operação Policial mais letal da história do Rio de Janeiro
Foto: Tomaz Silva /Agência Brasil
Escrito por Lucas Eduardo
A iniciativa da polícia militar para o confronto com o Comando Vermelho resultou em uma quarta-feira (29/10/2025) histórica, não somente para o Rio de Janeiro, mas para a história do Brasil. Segundo o secretário da polícia civil, Felipe Curi, foram 117 civis e 4 policiais assassinados por consequência, marcando, assim, o caso que mais ceifou vidas por uma operação de segurança pública do estado.
A praça São Lucas, localizada na Estrada José Rucas, zona norte do Rio de Janeiro, foi ocupada por pelo menos 74 corpos para que as famílias desses homens pudessem certificar a identidade das vítimas. A ação policial, nomeada de Operação Contenção, objetivou localizar lideranças dos grupos de tráfico e realizar apreensões e mandados de prisões. Além disso, ao menos 93 fuzis também foram apreendidos nas redondezas de onde ocorreu o massacre.
É importante pontuar que é a partir do armamento desses grupos de pessoas traficantes que se torna possível o confronto que desencadeia em um alto número de homicídios. Segundo dados divulgados pela BBC, as armas apreendidas pelas autoridades policiais entre 2019 e 2023 possuem origem, em sua maioria, nos Estados Unidos, com quase 60% das apreensões advindas do país. Os outros 40% são vindos de países como Israel, Alemanha, Áustria e República Tcheca.
Diante dos fatos, o governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro afirmou à época “a importância de a indústria produtora de armas também fazer parte do enfrentamento ao crime organizado, [levando em conta a] gerência sobre o caminho dos armamentos e atuando em conjunto com o governo federal no controle do tráfico internacional de armas".
A partir disso, é questionável o caminho que essas armas percorrem até chegar nas mãos dos homens em atuação no Comando Vermelho, porém um caso noticiado em maio deste ano (2025) pelo Portal G1 pode fornecer esclarecimentos sobre a dúvida. “Preso em São Paulo, [Jonnathan] Ianovich é suspeito de atuar como operador financeiro e de vender armas para o Comando Vermelho”, diz um trecho da matéria. Ainda sobre o caso, noticiado no mesmo mês, “uma grande quantidade de armas e dólares foi apreendida em duas mansões de luxo de dois condomínios da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio [...] De acordo com as primeiras informações, os imóveis eram de Jonnathan Ianovich, investigado por lavagem de dinheiro e preso na noite de segunda-feira (12/05/2025) em Araras, São Paulo”. Avaliada em R$25 milhões de reais, a residência é localizada na Barra da Tijuca em um condomínio de alto padrão com piscina, academia, boate e elevadores internos.
Em uma breve contextualização, Jonnathan Ianovich é um empresário que possui conexões com Genevieve Boghici, viúva de Jean Boghici, dono de um acervo de arte considerado um dos mais importantes do Brasil do século XX. Assim, é possível conjecturar o caminho que esse armamento faz até chegar nas mãos das operações ilegais do Rio de Janeiro. É claro que não é exclusivamente através de empresários, que também praticam atividades ilícitas, vide o caso citado, a única via possível de ocorrência, porém, ilustra bem a situação sociopolítica do Brasil.
Enquanto Ianovich possui seu direito de responder por seus atos criminosos em regime fechado, os moradores do Complexo do Alemão e da Penha são vítimas de um massacre policial que é visto como uma operação que visa garantir a segurança pública. É irônico ver que as autoridades planejam e executam a morte de pelo menos 117 civis e divulgam na mídia como um ato efetivo de combate ao tráfico de armas e drogas. Em paralelo, o caso de Ianovich e a ocorrência desta terça-feira não se fazem isolados, bem como seus respectivos desfechos.
Ainda em maio deste ano, Eduardo Bazzana, dono de um clube de tiro em Americana (SP) também foi preso sob acusação de vender armas para o Comando Vermelho. Ou seja, mais um empresário que trafica ilegalmente armamento para facções de tráfico é preso, respeitando sua condição de civil possuidor de direitos.
Em relação a outro massacre extremamente letal, rememora-se o caso do Carandiru, ocorrido em 2 de dezembro de 1992. Segundo reportagem de O Globo, a situação ocorreu dentro da “casa de detenção de São Paulo, na Zona Norte da capital, e se tornou a maior chacina em presídios da história do Brasil”, ainda segundo a reportagem, “tudo começou com uma briga entre detentos no Pavilhão 9, que abrigava cerca de 2 mil presos. A confusão rapidamente se transformou em uma rebelião, e o comando da polícia militar de São Paulo autorizou a entrada da tropa de choque para retomar o controle do presídio”. A ação policial ceifou 111 detentos. Nenhuma autoridade policial foi assassinada, em contrapartida.
É possível fazer uma relação entre os dois casos dos empresários e dos dois massacres para que o contraste de vidas interrompidas possa ser colocado em comparação. A luta contra o tráfico de drogas justifica a morte se o corpo sem vida é um corpo penitenciário, ou no caso mais recente, um corpo morador da favela. Se a atividade ilegal é exercidada por um morador da Barra da Tijuca ou dono de negócio próprio, o direito cívico é respeitado. Assim pode-se assumir dado a maneira como todos os casos citados se desenrolaram e culminaram.
O Brasil é, em sua base infraestrutural, um país marcado pelo controle social de minorias através de violências. Segundo o doutor em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba, também capitão da polícia militar, Fábio França, “quando a família real veio para o Brasil, montou o primeiro aparato de segurança pública do país. Em 1831, as guardas municipais permanentes foram criadas. À época, a ideia era a elite branca controlar a grande maioria de escravizados, alforriados, fugitivos e brancos pobres”. Na prática, ainda vemos a ideia de política pública sobre segurança do século XIX em vigor no ano de 2025.
É importante estabelecer critérios de segurança pública que vão além do enfrentamento direto contra grandes grupos armados. Se combate a criminalidade com políticas públicas de educação eficientes e acessíveis, com programas de distribuição de renda para famílias de baixa renda, com maneiras acessíveis de capacitação profissional e larga escala de produção cultural, dentre outras medidas. Por fim, apesar do foco parlamentarista estar na construção de emendas para a PEC de Segurança Política, se faz pertinente lembrar que se mantém uma comunidade segura a partir de políticas que garantem a qualidade de vida e acesso aos direitos civis. É seguindo por esse caminho que o Brasil pode deixar de ocupar as maiores posições no ranking mundial de países mais violentos.







