’’Bullying não é brincadeira — é dor disfarçada de riso’’.
A infância de Victor Meireles, homem negro, pobre e morador de favela, foi marcada por risadas que doíam.
Apelidos cruéis, empurrões, pedras. O menino que andava nas pontas dos pés por causa de uma deficiência virou piada. Chamavam-no de “bailarina”. Mas o que parecia brincadeira foi um ato de violência que o silenciou por anos.
“Eu me calei para não apanhar. Decidi ser invisível, porque o que não é visto, não é ferido”, lembra. “Falar era perigoso.”
Hoje, pesquisador em Psicologia na UFRJ e autor do livro Bullying, Qual a Graça?, Victor transformou a dor em luta. Sua história é um grito por empatia, educação e mudança.
A dor que não apaga
O termo bullying chegou tardiamente ao Brasil, mas suas vítimas existiam muito antes da palavra. Victor explica: “Na favela, não chamavam de bullying, mas o fenômeno já existia — xingamentos, exclusão, ameaças, medo diário de ser agredido. Essas marcas seguem comigo até hoje.”
Durante a entrevista ao programa Inclusão em Foco, Victor revelou que ainda se considera vítima. “As violências da infância não acabam quando o corpo cresce. Elas ficam na mente, nos silêncios, nos medos. Eu ainda carrego isso.”
O bullying, explica ele, não é apenas físico ou verbal — é também psicológico, e muitas vezes o mais devastador. “Quando alguém diz ‘te pego lá fora’, talvez nem queira cumprir a ameaça. Mas você acredita, sente medo, foge. Vai perdendo o direito de existir plenamente.”
Da fraqueza à força
Foi a arte que salvou Victor. O teatro o ensinou novamente a falar, a olhar o público nos olhos. “A arte me devolveu o direito de existir”, diz. Dos palcos nasceu seu projeto “Bullying com a Graça”, uma palestra artística que percorre escolas pelo Brasil e pelo exterior — usando emoção, poesia e performance para conscientizar jovens e adultos.
Em cada apresentação, Victor revive a própria dor para curar a de outros. “Quem bate esquece. Quem apanha, nunca”, afirma. “Mas se é preciso reviver para evitar que outra criança sofra, eu revivo.”
O silêncio também mata
Os relatos que chegam até ele são alarmantes. Crianças se automutilando. Adolescentes desistindo da escola. Jovens pensando em tirar a própria vida. “Foi quando um menino de dez anos me contou que se cortava por causa do bullying que eu percebi: nunca mais poderia parar.”
Essas histórias mostram por que o bullying não é brincadeira, é crime. Desde 2024, o Brasil criminaliza o bullying e o cyberbullying, com possibilidade de prisão. Antes disso, a Lei Federal 13.185/2015 já determinava que todas as escolas deveriam ter programas permanentes de combate e prevenção — poucos cumprem.
A urgência do afeto e da ação
Victor é categórico: “Não adianta pendurar cartazes com ‘diga não ao bullying’ e seguir ignorando o sofrimento real. Precisamos de escuta sensível, formação de professores e tempo para olhar nos olhos das crianças.”
Ele lembra que as feridas mais profundas são as que não aparecem. “O bullying psicológico é invisível, mas é o que mais adoece.”
E deixa um alerta às famílias: “Se seu filho muda de comportamento, se cala, não quer ir à escola, preste atenção. Pode estar pedindo socorro em silêncio.”
A mensagem que ecoa
Hoje, Victor leva sua história a palcos, escolas e assembleias legislativas. Sua voz — que um dia quis calar — agora inspira comunidades inteiras.
“Não se cure sozinho. Buscar ajuda é coragem, não fraqueza. Falar é o primeiro passo para quebrar o ciclo da violência.”
Ele encerra com um convite:
“Que nossas cicatrizes virem pontes, não muros. E que cada gesto de empatia seja um ato de resistência.”
Ouça a entrevista na íntegra no programa INCLUSÃO EM FOCO.