“Protegidos Demais para Serem Livres”: o desafio invisível imposto pelo capacitismo afetivo
“Coitadinho”, “ele é um guerreiro”, “deixa que eu faço por você”. Essas frases, ditas com a melhor das intenções, carregam um peso silencioso: o peso do capacitismo travestido de amor.
A superproteção de pessoas com deficiência, vista por muitos como cuidado, pode ser, na verdade, uma prisão invisível que lhes rouba algo essencial — a autonomia.
A fonoaudióloga Luciana Felipeto, em entrevista ao programa Inclusão em Foco, alerta para o perigo dessa forma de exclusão sutil. “Toda vez que a gente priva alguém de experiência, a gente exclui essa pessoa do grupo. É nas vivências que se aprende a lidar com frustrações, regras e limites. Sem isso, formamos adultos inseguros e dependentes”, explica.
O capacitismo é um preconceito que reduz alguém à sua condição física, cognitiva ou emocional, negando suas potencialidades. Ele não se limita a insultos ou exclusões explícitas — muitas vezes está na pena, no excesso de zelo e na falta de confiança que cercam a pessoa com deficiência desde a infância.
A bolha que aprisiona
Por medo do sofrimento, muitos pais criam verdadeiras “bolhas protetoras”. Impedem o filho de ir a excursões, brincar com outras crianças ou fazer algo sem supervisão. O resultado, segundo Felipeto, é devastador: isolamento, dificuldade de linguagem, problemas motores e emocionais.
“Quando o medo fala mais alto, essa criança deixa de treinar habilidades sociais e cresce acreditando que não dá conta. O excesso de proteção limita tanto quanto a discriminação aberta”, afirma.
O amor que desejava proteger acaba privando. A superproteção, sustentada pela crença de que a pessoa com deficiência é frágil, mantém viva a ideia de incapacidade. E, como todo ciclo vicioso, reforça o preconceito que a sociedade tenta combater.
Quebrar o ciclo: informação é o antídoto
A especialista defende que o primeiro passo para romper esse ciclo é a educação social. “É preciso psicoeducar as famílias, as escolas e a sociedade. Capacitismo não é mimimi. É um preconceito que fere, exclui e impede vidas de florescerem”, reforça.
A mudança começa com a linguagem. Não se diz mais “portador de deficiência” — ninguém porta sua condição. O correto é pessoa com deficiência, uma nomenclatura que reconhece a pessoa antes da limitação. As palavras importam porque moldam percepções e atitudes.
Autonomia: o caminho para a inclusão real
Promover autonomia é mais do que permitir escolhas — é garantir o direito de errar, de aprender, de tentar. A pessoa com deficiência precisa ser protagonista da própria vida, ter voz ativa em decisões cotidianas, profissionais e afetivas.
“Ela tem o direito de escolher a roupa que quer usar, o trabalho que quer exercer e o caminho que deseja trilhar. Negar isso é negar sua cidadania”, explica Felipeto.
O papel da sociedade
Para que a inclusão aconteça de forma efetiva, é preciso mais do que rampas e leis. É necessário olhar, escutar e adaptar.
A fonoaudióloga destaca que acessibilidade deve ser ampla: arquitetônica, comunicacional, educacional e atitudinal. E isso beneficia todos — com ou sem deficiência.
Também é fundamental investir na representatividade: personagens com deficiência em livros, filmes e publicidade ajudam a naturalizar a diversidade e inspirar crianças a acreditarem em si mesmas.
“Quando a sociedade entende que deficiência não é sinônimo de incapacidade, ela se torna mais justa. Todos temos limites, mas também potenciais — e é isso que nos torna humanos.”
Um apelo à empatia ativa
Combater o capacitismo exige mais do que boas intenções: requer coragem para mudar hábitos e narrativas. É deixar de ver a deficiência como tragédia e reconhecê-la como parte da diversidade humana.
A superproteção é o contrário da inclusão. Amar é dar espaço para o outro ser quem é — com erros, tentativas, quedas e vitórias.
Felipeto encerra com uma reflexão que deveria ecoar em cada lar, escola e empresa:
“Amar não é proteger do mundo. Amar é preparar para o mundo.”
Confira a entrevista na íntegra: