“Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”, clássico do baiano Hyldon, completa cinco décadas neste ano; conheça histórias do disco contadas pelo próprio cantor

“Esse disco tem umas cinco, seis musas maravilhosas. Porque cada música tem uma história e são histórias verdadeiras.”
O artista e produtor musical Hyldon. Foto: Reprodução/Youtube
  • Danilo Souza
  • Atualizado: 13/08/2025, 03:27h

Dono de um dos maiores sucessos do Brasil nos anos 70, o artista e produtor musical Hyldon é um dos grandes nomes do Soul brasileiro, ao lado de Cassiano e Tim Maia. Em 2025, o seu disco de estreia, o “Na Rua, Na Chuva e Na Fazenda”, está completando cinquenta anos de lançamento e possui muitas histórias curiosas, contadas pelo próprio cantor em uma entrevista, que vão de um confronto com a própria gravadora para conseguir o lançamento até ter “mandado uma indireta” para o filósofo alemão Schopenhauer.

O disco, que hoje é um clássico incontestável, foi resultado de muita luta do Hyldon. Já conhecido nos bastidores da música como um exímio produtor musical e compositor, ele teve que insistir muito para que os executivos da Polygram, a gravadora em que trabalhava na época, permitissem a gravação do seu LP.

Em entrevista para o site monkeybuzz, ele relembrou como foi esse processo. “Eu vi que havia duas maneiras [de gravar] naquela época: ou você se submetia a um empresário e era galã, tipo Wanderley Cardoso ou Jerry Adriani, e fazia aquelas músicas mais comerciais, ou você tentava entrar por dentro da gravadora. Eu fui assim, Tim Maia foi assim, Raul Seixas foi assim”, conta o artista.

NA RUA, NA CHUVA, NA FAZENDA | HYLDON | Vampisoul

A capa de "Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda", disco lançado por Hyldon em 1975. Foto: Reprodução

E foi “entrando por dentro da gravadora”, como ele mesmo define, que o disco foi tomando forma. Havia um combinado entre Hyldon e Jairo Pires, o diretor artístico da Polygram na época; o artista iria produzir trabalhos de outros cantores ao mesmo tempo que escrevia músicas para o seu álbum e, em algum momento, o produtor teria o direito de gravar o seu próprio LP.

“Conversei com o Jairo: ‘Você tá sem produtor, eu tô a fim de produzir porque quero gravar meu disco’. Ele: ‘Não, você grava seu disco quando estiver pronto’. Então eu fui fazendo disco. Chegou um ponto que, dos dez discos [mais vendidos] da Polygram, eu estava em quatro ou cinco”, relatou Hyldon.

Consolidado como o principal produtor da gravadora, Hyldon tinha contato com bons músicos de estúdio. Em conversas entre uma gravação e outra, o produtor “recrutava” os seus favoritos já pensando no disco e até se ousava a gravar os rascunhos de algumas das faixas. “Eu era o produtor que mais vendia da companhia. E que que eu fazia? Já começava a chamar os caras que eu queria gravar: o Mamão [bateria], o Alexandre [Malheiros, baixo] e o Zé Roberto [teclados], o Azymuth. Aí, um dia fui lá e gravei três músicas: ‘Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda’, ‘Meu Patuá’ e ‘Eu Gostaria de Saber’. Virei pro Jairo: ‘Gravei’. ‘Como assim tu gravou?’ ‘Cara, tu falou pra eu gravar, eu gravei.’

As duas primeiras faixas citadas por Hyldon foram lançadas em um compacto, o que equivale a um single hoje em dia, em 1973. A canção “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda” tocou bastante nas rádios do Rio de Janeiro e do Brasil inteiro.

Depois de passar pelo diretor artístico, o próximo passo era convencer o então presidente da Polygram, André Midani, que curtiu a canção “Na Rua, Na Chuva e Na Fazenda” e até disse que “era uma das melhores coisas que aconteceram na música brasileira nos últimos dez anos”, segundo o Hyldon. Ali, o artista pensou que finalmente teria aval para gravar o disco inteiro. Acontece que, uma semana depois, Midani voltou atrás e sugeriu que o trabalho fosse um “fifty-fifty” – um “meio a meio", numa tradução a grosso modo – com músicas em português e em inglês, o que ia contra o projeto original do artista.

“Cara, eu fiquei muito puto. Queria dar porrada no André Midani, p*ta que pariu. Bati o pé, o André Midani ficou puto e começou a brecar meu LP. O disco ia pra fábrica e voltava”, recordou Hyldon. Até que o diretor comercial da gravadora, Heleno de Oliveira, aconselhou o presidente a lançar o trabalho para não perder o melhor produtor da companhia. “Pô, lança o cara. Não podemos perder o produtor, é o que mais fatura na gravadora”, argumentou Heleno.

Um “prêmio de consolação”, digamos assim, o segundo compacto da carreira de Hyldon foi publicado em 1974 e trouxe mais duas faixas clássicas do repertório: “As Dores do Mundo”, criada a partir de uma inspiração em uma obra de Schopenhauer, “um cara chato para caralh*”, de acordo com o baiano, e “Sábado e Domingo”.

“Eu fiz ‘As Dores do Mundo’ porque aquele cara era chato pra caralh*, aquele [filósofo alemão Arthur] Schopenhauer. [risos] Foram dois livros que me marcaram: Cartas Para um Jovem Poeta, do [poeta tcheco] Rainer Maria Rilke, e As Dores do Mundo, do Schopenhauer – o maestro Ian Guest que me deu. Aí eu fiz a música. ‘Vou fazer uma música pra mandar esse cara tomar no c*, pô. Que negócio é esse de não acreditar no amor?’ [risos] Eu quis dar uma cutucada nele.”

O tão esperado disco saiu em 1975 no meio da ditadura, que também foi um problema para Hyldon. Uma das faixas foi reprovada pela censura e ficou de fora do LP. “[A canção] ‘Cuidado Pra Não Virar Jazz’, que eu fiz pro [pianista] Hélio Celso e não tinha letra, os caras censuraram essa música, cara! Eu era cabeludaço, né, doidão, falei: ‘Ô, João Carlos [advogado da gravadora que iria tentar a liberação da faixa com os militares], essa música pra mim já não está no disco. Para mim ela não existe mais.”

Para Hyldon, o seu LP de estreia é “um disco super romântico” e que se inspira não só em uma ou duas mulheres… “Esse disco tem umas cinco, seis musas maravilhosas. Porque cada música tem uma história e são histórias verdadeiras”, ele assume. Também há espaço para canções baseadas no que há de belo na natureza e na liberdade da vida, como “Vamos Passear de Bicicleta” e “Na Sombra de uma Árvore”. “Eu sou apaixonado por passarinho, por céu, por cores… Eu tenho uma ligação muito forte com a natureza, com o mar. Amo planta, amo passarinho solto. Então esses elementos entram na minha música.”

A faixa “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda” fez sucesso também nas décadas seguintes através das regravações de Tim Maia – numa versão que recebeu o nome “Casinha de Sapê”, no álbum “Nuvens”, de 1982 – e Kid Abelha, em 1996. Já “As Dores do Mundo”, foi regravada pelo Jota Quest no álbum de estreia da banda mineira. “Eu gosto, acho o maior barato. [São] as duas gravações mais emblemáticas pra mim. A do Kid Abelha vendeu 500 mil discos e trouxe fãs de gerações mais novas para os meus shows, e, no mesmo ano, o Jota Quest estourou com ‘As Dores do Mundo’. Eu fiquei muito feliz com isso”, admite o artista.

 

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