O que cresci ouvindo: com sons que vão de Burkina Faso à Bahia, Lipe relembra cinco discos que mudaram seu modo de sentir a música

Lipe no estúdio da Mega, em maio deste ano. Foto: Danilo Souza
Poucas pessoas na cena musical alternativa de Vitória da Conquista possuem tanta identidade artística quanto Lipe, cantor e compositor de Piatã, na Chapada Diamantina, que já gravou dois álbuns de estúdio – o “Do Contra” (2024) e “Um Rombo no Peito e Um S nas Costas” (2025). Em maio, nós já havíamos conversado sobre como a natureza da sua cidade natal refletia em suas composições e o que mudou após sua chegada ao terceiro maior município do estado. Clique aqui e relembre a entrevista.
Dizem que, na música, bons trabalhos começam a partir de boas referências sonoras e o Lipe prova isso. Entre os discos que mudaram sua vida, o artista cita obras de Tom Zé, Novos Baianos, Red Hot Chilli Peppers e até a compilação “The Original Sound Of Burkina Faso”, gravado por vários artistas do país africano.
A tarefa de escolher os cinco discos mais importantes de toda a vida não é nada fácil, mas Lipe aceitou o desafio e montou a sua lista. Veja abaixo os álbuns, um breve contexto sobre cada um e os motivos que tornam os discos escolhidos tão especiais para o artista.
Red Hot Chilli Peppers - Blood Sugar Sex Magik (1991)
Lançado em setembro de 1991, o Blood Sugar Sex Magik é o quinto disco de estúdio do Red Hot Chilli Peppers e trouxe canções aclamadas do repertório do grupo, como “Give It Away”, “Under the Bridge”, “Suck My Kiss” e “Power Of The Equality”. O álbum chegou ao público em um grande momento do rock nos Estados Unidos – poucas semanas antes, em agosto, o Pearl Jam havia lançado seu disco de estreia, “Ten”, enquanto o Nirvana publicou o icônico “Nevermind” no mesmo dia que o Red Hot.
É um disco caracterizado principalmente por sua sonoridade instrumental, marcada pelo groove do baixo de Flea e as guitarras funkeadas de John Frusciante. Para Lipe, o modo como o guitarrista do Red Hot Chilli Peppers tocava no Blood Sugar Sex Magik o influenciou em seus trabalhos e o fez aprofundar no funk e na psicodelia dentro da música.
“Sem dúvidas o mais importante pra mim. Me vi como músico com esse disco. Quando comecei a tocar, na pandemia, resolvi aprender discos inteiros na guitarra e esse foi o primeiro. Aprendi cada coisinha que o Frusciante fez, desde timbres, equipamentos e até os vocais. O filme ‘Funky Monks’ sempre me inspira a criar. Sem contar o fato de que o Red Hot me apresentou para mundos como o funk, o punk, a psicodelia, [Jimi] Hendrix, Lou Reed, Fishbone e muitas outras riquezas na arte em geral, que me influenciam muito.”
Novos Baianos - Novos Baianos F.C (1973)
Terceiro disco dos Novos Baianos, o “Novos Baianos F.C” nasceu já com uma missão complicada: igualar ou até mesmo superar o seu antecessor, “Acabou Chorare”, que saiu em 1972 e entrou para a história da música brasileira. Mas Lipe não enxerga uma competição entre os dois álbuns, e sim uma complementação. “Sinceramente, o Acabou Chorare preparou o solo pra esse disco plantar”, ele relata. “O Novos Baianos F.C é meu disco brasileiro favorito. Os instrumentais e a forma que o choro, o samba e o rock se misturam numa coisa só deles... Isso é absurdo! Muito minucioso e rico”, completa.
O disco recebe esse nome pela forma como foi criado; os membros da banda foram para um sítio, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e se dividiam entre a composição e o futebol, fazendo com que fossem bem mais que um grupo musical, mas sim um verdadeiro time. No álbum, estão canções como “Sorrir e Cantar como Bahia”, “O Samba da Minha Terra”, composição de Dorival Caymmi, e “Quando Você Chegar”.
Compilação – The Original Sound Of Burkina Faso (2017)
Publicada pelo selo Mr Bongo, a compilação “The Original Sound Of The Burkina Faso” saiu em 2017 em formato de LP, CD e mídia digital. Cissé Adboulayé, Amadou Balaké e Youssof Diarra são alguns dos artistas que fazem parte deste álbum. Lipe conta como chegou na referência, que pode ser considerada como inusitada para muita gente.
“É um disco que achei recentemente, quando eu estava buscando coisas novas. É um compilado extremamente rico e complexo de músicas de Burkina Faso, que sempre me intriga com a sonoridade única e muitas faixas com compassos complexos. Amadou Balaké é um dos nomes que mais gosto nesse disco.”
Tom Zé - Todos os Olhos (1973)
Baiano que foi morar em São Paulo, Tom Zé lançou o disco “Todos os Olhos” em 1973. É um álbum que reflete a angústia, mas também a genialidade e os toques experimentais do artista. Entre as faixas, destacam-se “Augusta, Angélica e Consolação”, “Brigitte Bardot” e a faixa-título, “Todos os Olhos”.
“Todos os Olhos me abriu muito pra sensação de que meu regionalismo, ou experimentalismo, sempre tem lugar na música, mesmo que fora do mainstream. Ser baiano, do interior e taxado de esquisito (ou maldito) me aproximou muito de me identificar com ele. Gosto muito da forma poética e natural que molda tudo que ele faz de um jeito só dele.”
Herbie Hancock - Head Hunters (1973)
Também de 1973, o disco “Head Hunters”, do pianista estadunidense Herbie Hancock, é considerado um marco na sua carreira devido ao seu avanço comercial e artístico, o que chamou a atenção do mainstream. O álbum chegou a alcançar a 13ª posição na Billboard 200, que classifica semanalmente os trabalhos musicais mais populares dos Estados Unidos. É uma mistura de estilos, como o jazz, o rock e o funk. O destaque, segundo o próprio Lipe, vai para “Watermelon Man”, que faz parte da trilha sonora do filme Mid90s, de Jonah Hill.
“Conheci por causa de Mid 90s do Jonah Hill que tem Watermelon Man na trilha sonora. Toda vez que eu escuto essa música eu me arrepio todo e não tem nem letra na música... O disco todo é uma riqueza, ainda mais vendo vídeos deles tocando ao vivo na época. Herbie é um gênio!”