"Acho que a grande questão para a gente sempre foi fazer do jeito que dá e encontrar um caminho", revela duo cajupitanga sobre sua música

O duo conquistense cajupitanga. Ao fundo, de camisa branca, está Pedro Antunes. À frente, sentado no chão, está Gabriel Tupy. Foto: Divulgação
  • Danilo Souza
  • Atualizado: 24/07/2025, 08:16h

Idealizado por amigos de infância, a cajupitanga é um duo de Vitória da Conquista, na Bahia. Os músicos, Gabriel Tupy e Pedro “Candioco” Antunes, não moram mais na cidade e se projetaram para grandes centros – Gabriel está em BH, enquanto Candioco foi para a capital, Salvador. Mas, segundo eles, o jeito de compor e produzir segue com aspectos do interior. “Estávamos em Vitória da Conquista quando a cajupitanga começou e a gente ainda se reconhece como estando lá, tudo que a gente faz é como se estivéssemos lá, porque querendo ou não, é uma parte da nossa ideia de composição.”

As referências e influências sonoras da dupla também seguem ligadas à música local, com nomes como Elomar, Xangai e Evandro Correia. O violão trovador, instrumento característico destes artistas, aparece como um caminho para a cajupitanga, mas de uma forma muito singular no modo de produzir as canções.

Essa ideia fica mais clara depois do lançamento do álbum de estreia, o “Tradição/Tradução” (2021). Os dois músicos expressam a admiração e o respeito por quem veio antes ao mesmo tempo que “traduzem” as referências do seu próprio jeito nas músicas. “São influências e são obras que acabam permeando o nosso processo criativo por estarem próximos. Estudei Elomar na escola, fiz apresentações sobre a obra dele, é uma coisa que, sei lá, tá dentro da gente, não tem como escapar disso, são obras que acabam atravessando.”

O retorno à Vitória da Conquista ainda não tem data, mas faz parte dos planos da caju. Os meninos contaram que a cidade sempre vai ser a primeira escolhida para tocar ao vivo e lembraram com carinho de uma apresentação que fizeram por aqui, no Centro de Cultura. “Queremos ter um contato próximo com as pessoas, um contato físico. Tem nossos ouvintes no Spotify, mas quando você vê, sei lá, 200 pessoas no teatro, ouvindo, prestando atenção e trazendo isso para gente, é emocionante.”

Leia abaixo o papo na íntegra.

Danilo: O que é a cajupitanga e o que vocês fazem nesse projeto?

cajupitanga: Não sei rotular muito bem o que a gente faz, é uma “música brasileira experimental”, vamos dizer assim, com traços de música ambiente, música eletrônica e outras variáveis da música brasileira, enfim, uma grande miscelânea. Eu [Gabriel Tupy], prioritariamente, sou compositor e músico também, e o Pedro também é compositor, músico, produtor e cantor principal.

Danilo: Vocês já tinham uma história musical juntos. O que motivou esse reencontro?

cajupitanga: Nós somos amigos de infância e de adolescência. A gente se conheceu no colégio e nos unimos para compor junto com uma banda que tínhamos anteriormente, nossos caminhos se cruzaram em função disso e nos mantemos até hoje assim. Depois que a banda acabou, a gente sentiu que tinha que continuar essa história da composição em conjunto, porque nós dois éramos os compositores da banda, e por isso a cajupitanga surge. Na época da banda, a gente entrou em estúdio para gravar e gastamos uma grana para fazer a coisa acontecer, fazendo muito show e tal, [mas] a gente entendeu que não era esse caminho – ficar fazendo muito show, juntar dinheiro e gravar umas cinco músicas que a gente fez dois anos atrás. A gente queria fazer tudo sozinho e em casa mesmo.

Danilo: E o que mudou nessa transição de banda para duo? Sentem que a cajupitanga é um projeto mais maduro?

cajupitanga: Acho que mudou em relação à forma como a gente compunha antes. Tem uma grande coisa, que é o contexto e o objetivo disso, que se tornou parte da nossa identidade, de certo modo; O violão como esse meio para discorrer as ideias, que era uma coisa que a gente não usava antes com a banda. Era rock psicodélico e a gente gostava muito de Boogarins, Tame Impala, essa galera… tinha um molde estético ali que seguíamos e que hoje não temos mais amarras em relação a isso.

Danilo: Ter iniciado o projeto em Vitória da Conquista, no interior baiano, influenciou na sonoridade e no modo como vocês produzem as músicas?

cajupitanga: Quando a gente pegou o violão, eu falei “nossa, queria fazer algo que o Elomar não fez”, sabe? Tipo, explorar, tratar a música do violão trovador de uma forma experimental e colocar isso dentro do contexto conquistense também. Então há muita referência de pessoas tradicionais [da música de Vitória da Conquista], como Xangai, Elomar, Evandro Correia… até pessoas mais novas, a própria composição de Balaio [vocalista da banda Dona Iracema] também influenciou muito.

A gente queria tratar [a música] de uma forma diferente, meio descentralizada, porque estávamos em Vitória da Conquista quando a cajupitanga começou e a gente ainda se reconhece estando lá, tudo que a gente faz é como se estivéssemos lá, porque querendo ou não, uma parte da nossa ideia de composição, do nosso idealismo, é o discurso que a gente tá fazendo. Eu acho que o espaço começa a ser um conceito que vira uma vértebra da nossa narrativa como cajupitanga e isso aos poucos vai tomando forma. Esses artistas que tem a canção sertaneja e a canção do violão como um foco estético moldaram muito nossa cabeça e o modo como a gente observa.

Danilo: Em julho de 2021, vocês lançaram o primeiro disco do projeto, o “Tradição/Tradução”, que parece se interligar com esse conceito de se inspirar nos artistas da terra, mas meio que “traduzindo” a arte deles do jeito de vocês. Como manter esse equilíbrio entre a tradição e a vontade de experimentar?

cajupitanga: Acho que essa coisa do respeito transparece no nosso modo de compor. Por mais que a gente fale de experimentação e tal, a gente sempre vai ter referências [da música local], elas transpiram na obra e não tem como tirar o rastro desses artistas do nosso trabalho. E no fim das contas, acho que esse seria o maior respeito que a gente pode prestar por essas pessoas. Ainda não reconheço como isso aparece no produto, mas sei que no processo da caju não teve um trabalho nosso em que eu não mandei uma música de Elomar, de Xangai, e falei “a gente tem que fazer algo assim”.

São influências e são obras que acabam permeando o nosso processo criativo por estarem próximos. Estudei Elomar na escola, fiz apresentações sobre a obra dele, é uma coisa que, sei lá, tá dentro da gente, não tem como escapar disso, são obras que acabam atravessando. Mas a coisa do equilíbrio, acho que a gente não tenta equilibrar necessariamente… Acho que a gente quer propor algo interessante, curioso… Então, no mesmo disco que se tem uma música bem latina, tipo um bolero, tem uma parada super eletrônica baseada em sample e recorte, e daí que vem as possíveis rupturas que a gente pode propor e os possíveis confortos que a gente pode estabelecer na obra.

Danilo: Como é trabalhar com uma estética lo-fi, usando gravações de celular e de campo? O que essa produção caseira permite que a produção tradicional não permitiria?

cajupitanga: Acho que textura. Quando você escuta música do mainstream, ela é muito “lavada”, a produção tá controlando frequências e tentando mostrar cada instrumento ali de uma forma perfeita, equalizando tudo bonitinho e tal. Quando você grava no celular, perde a maior parte da capacidade de lavar o instrumento, sempre vai vazar alguma coisa, vai escapulir um som, uma textura ali, é nisso que a gente se interessa.

A forma de gravar em casa, estar à distância e ter recursos limitados para poder produzir um som é muito claro no nosso caso. A gente trabalha com cordas, trabalha muito com samples, batuques… acaba que esse limite entre a música digital e a música de estúdio vai se atravessando e cria uma textura ou um ruído que é muito presente na produção e na estética da música como um todo.

E, sobretudo, a liberdade de errar e deixar esse erro ali. De repente o charme da música é porque a gente tá tocando meio errado. A música da cajupitanga não tá só na gente, ela também está nos sons que a gente grava na rua. Isso só pode ser construído da forma como a gente constrói, então não tenho nem vontade de fazer de outro jeito.

Danilo: E esse jeito de produzir música é quase que uma onda contra a maré do mercado musical. Que visão vocês têm desse lado mais mainstream da coisa?

cajupitanga: Olha, adoraríamos ganhar dinheiro com nosso trabalho, viu? Se a galera se juntar e quiser dar dinheiro pra gente, por favor… (risos). Não sei se a gente foge [do mainstream], acho que a gente só faz o que a gente quer. No início desse ano, começamos a compor um disco novo e meio que quisemos fazer um disco mais pop, conciso, curto, mais direto, com letras mais leves… sem tentar ficar abordando as coisas de um jeito mais abstrato. E, enfim, talvez esse trabalho pudesse ser encaixado numa caixinha um pouco mais mainstream assim.

Essa discussão faz parecer que todos os artistas têm a escolha de se colocar nesse lugar [de escolher se quer estar no mainstream ou não] e não acho que seja assim. Quando se fala de mainstream, a gente tá falando de artistas que estão dentro da indústria, que tem dinheiro envolvido não só para divulgação, mas para fazer [música] e para se comunicar. É uma realidade muito diferente da nossa e da grande maioria desses artistas que, inclusive, achamos que são maiores do que a gente por terem saído em tal revista, por terem um pouco mais de ouvintes, mas é uma galera tá na mesma situação, sabe? Então, eu acho que é uma coisa meio inacessível para a forma como a gente faz.

Danilo: Que mensagem vocês deixariam pra quem também está tentando criar com liberdade, fora das formas convencionais e, principalmente, fora dos grandes centros comerciais da música, como as cidades do Sudeste, por exemplo?

cajupitanga: Acho que a grande questão para a gente sempre foi fazer do jeito que dá e encontrar um caminho que é seu. Foi como começamos. Compomos umas dez músicas, gravamos no celular e fizemos disso o nosso trabalho. No fim das contas, o que nos sustenta é a nossa paixão pelo que a gente faz e pelo processo criativo, que é uma delícia. Ficar fritando com o Instagram, com número de ouvintes… isso não dá em nada, não é esse caminho que vai transformar o projeto numa coisa interessante. É a música! Então, se segura nela e vai!

Danilo: Pela conversa, ficou claro que vocês são mais voltados para composição. Nos discos, vocês têm aquela visão meio “pinkfloydiana” de compor sempre pensando num conceito que interliga as músicas do começo ao fim?

cajupitanga: Totalmente, cara. Pra gente, sempre foi mais fácil apresentar nosso trabalho em forma de álbuns. Nosso último disco é realmente para ser ouvido do início ao fim, sem parar, porque as músicas vão se ligando... Um álbum sempre tem uma linha de argumento, alguma narrativa, que é a coluna vertebral para guiar nossas composições, todos os nossos trabalhos são assim. É como se a gente lançasse livros e não contos, são projetos.

Danilo: Os shows não são a prioridade da cajupitanga, pelo menos por agora. Mas o retorno à Vitória da Conquista para alguma apresentação está nos planos de vocês para o futuro?

cajupitanga: Sempre! É o primeiro lugar que pensamos quando a gente vai tocar. Se lançarmos o próximo disco de forma ao vivo, o primeiro show será em Vitória da Conquista, o segundo em Salvador e só depois a gente vê se dá para o resto. Nossa preocupação é muito logística, [porque] moramos em cidades diferentes e é difícil de ensaiar e montar uma banda para poder organizar isso.

Queremos ter um contato próximo com as pessoas, um contato físico. Quando tocamos no Centro de Cultura [Camillo de Jesus Lima, em Vitória da Conquista], eu lembro do Supremo MC chegar todo empolgado e falar “adorei o show de vocês!”. Nós não temos esse tipo de contato no digital, sabe? Tem nossos ouvintes no Spotify, mas quando você vê, sei lá, 200 pessoas no teatro, ouvindo, prestando atenção e trazendo isso para gente, é emocionante. Para esse próximo disco a gente está planejando. Tomara que dê certo. As coisas estão caminhando devagar, mas estão caminhando.

Danilo: Obrigado, meninos, pelo tempo e a gentileza de vocês. Como o público pode encontrar a cajupitanga nas redes e nas plataformas de áudio para seguir acompanhando?

cajupitanga: Bom, o Gabriel saiu das redes sociais, mas vocês podem me encontrar no Instagram como @candioco, lá está meu trabalho de jornalista e meu trabalho de produção musical também. Já a caju é @cajupitanga_, a gente não usa rede social como outros artistas, de ficar publicando muita coisa, mas toda vez que tem novidade, a gente aparece lá. Nas plataformas, recomendo começar pelo disco “Tradição/Tradução”, que é o mais palatável e, não à toa, o nosso trabalho mais celebrado, acho que é um bom começo. Se alguém quiser alguma coisa muito maluca, vai para o próximo [“Farra Farra”].

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