Grohl revisita dor da perda de Cobain em biografia do Foo Fighters: “Não sabia o que sentir”
Banda líder do movimento grunge, o Nirvana ascendeu e decaiu na mesma velocidade. Com três álbuns de estúdio na discografia, lançados entre 1989 e 1993, o grupo acabou de forma abrupta em abril de 1994 após a morte do vocalista e guitarrista Kurt Cobain.
A biografia Foo Fighters: Learning to Fly, apesar de ser focada no grupo de Dave Grohl, traz em alguns dos seus capítulos a respeito do surgimento, auge, o fim e a reação dos membros após a morte de Cobain. Nela, Grohl define que ficou em choque, mas não surpreso com a morte do colega de banda. “Eu sabia que ele tinha morrido, mas não sabia o que sentir.”
Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl, em 1993. Foto: Reprodução
Os problemas internos do ícone grunge
O ano de 1994 foi intenso para o Nirvana, principalmente para Kurt. O músico enfrentava um vício em heroína, brigava com a esposa e já tinha uma relação distante com Grohl e Krist Novoselic, mesmo dividindo o palco na turnê do terceiro disco, In Utero.
Durante a fase europeia de série de shows, longe do acesso facilitado à heroína, o frontman da banda passou por uma crise de abstinência.
“A turnê europeia de 1994 tinha sido uma longa crise de abstinência. Sem o fornecimento regular de heroína que poderia conseguir nos Estados Unidos, Kurt entrou em contato com um desses ‘doutores do bem-estar’ londrinos acostumados a lidar com astros da música e cinema […] que o encheu de receitas de opiáceos e tranquilizantes a fim de mantê-lo durante a turnê de três meses.”
A droga havia se transformado em uma fuga para afastar Kurt dos seus problemas momentaneamente. Ao longo da turnê, o guitarrista chegou a pedir para que Krtist, baixista do Nirvana, cancelasse compromissos da banda devido a “dores de estômago e enjoo”.
“Mas Kurt ainda não estava feliz, brigando pelo telefone diariamente com Courtney […] brigando com Krist, a quem implorou que cancelasse os compromissos, alegando dores horríveis de estômago e enjoo, para as quais Krist e Dave agora rotineiramente nem ligavam, vendo-as como o que de fato eram: o infinito anseio de Kurt para se retirar em algum quarto escuro onde pudesse se dopar de heroína.”
Kurt Cobain, vocalista e líder do Nirvana, em 1994. Foto: Reprodução
Os problemas pessoais de Cobain se misturavam com os conflitos na banda. Ao mesmo tempo que se afastava aos poucos e se isolava em sua própria realidade, Kurt também tentava se divorciar de Courtney Love, que além de ser sua esposa também era a mãe de sua filha, a pequena Frances, nascida em 1992.v
O vocalista do Nirvana acreditava em boatos que diziam que Love tinha um caso com o vocalista do Smashing Pumpkins, Billy Corgan. Apesar dos dois realmente já terem se relacionado antes de Courtney estar com Cobain, a relação extraconjugal nunca foi de fato confirmada.
“Kurt telefonou para sua advogada nos Estados Unidos e disse a ela que queria se divorciar. Ele também achou um médico alemão disposto a lhe dar um atestado explicando que não poderia continuar a fazer turnês por conta de um problema vocal misterioso.”
Courtney Love, Kurt Cobain, e a filha do casal, Frances. Foto: Reprodução
Com o aval do médico a respeito de sua saúde, Cobain finalmente conseguiu cancelar algumas das apresentações. Dave e Krist acreditavam que aquela pausa dizia mais sobre o vício de Kurt em heroína do que problemas em suas cordas vocais. Com o fim da turnê na Europa, o baixista e o baterista voltaram para os Estados Unidos, enquanto o vocalista e o guitarrista de apoio do Nirvana, Pat Smear, partiram para Roma, na Itália.
“Dave e Krist, que sabiam exatamente que tipo de ‘problemas vocais’ Kurt sofria, voltaram para casa no dia seguinte. Kurt já havia parado de sair com eles fazia tempo. Dave e Krist já não achavam graça em Kurt. […] Pat [Smear] ainda achava.”
Na cidade italiana, Kurt se reencontra com Courtney e a sua filha, Frances. No livro, é contado que mesmo já pensando em um possível divórcio, Cobain parecia ter mudado de ideia, mas durou pouco tempo. Na mesma noite, quando Love recusou ter relações com Cobain, alegando cansaço, o líder do Nirvana ficou ressentido.
“Quando Courtney, com a neném Frances, chegou ao luxuoso Hotel Excelsior, em Roma, no dia 3 de março, Kurt aparentemente tinha mudado de ideia a respeito de deixá-lá […] mas, quando Courtney disse que estava cansada demais naquela noite para fazer amor, para Kurt foi a gota d’água.”
“Kurt andava pelos cantos como se já estivesse morto”
Na manhã seguinte, quando despertou, Courtney encontrou Kurt inconsciente no chão. Ao lado dele, estavam várias pílulas de Rupinol, um remédio usado para problemas de insônia, além de mil dólares em espécie e uma suposta carta de suicídio.
“Levado às pressas de ambulância para o Hospital Policlínico de Umberto, ali perto, Kurt foi submetido a uma lavagem estomacal, de onde bombeiam o que foi reconhecido como cinquenta das pílulas verde-claras de Rohypnol e ao menos meia garrafa de champanhe. Mas ele permaneceu em coma.“
“[…] Kurt, então, foi transferido para o Hospital Americano de Roma, onde recobrou a consciência muito lentamente nas 24 horas seguintes. Suas primeiras palavras para Courtney, parcialmente desperto, foram: ‘Vá se f*der.’”
Kurt Cobain e Courtney Love quando se casaram, em fevereiro de 1992. Foto: Reprodução
Nas semanas finais de vida, Kurt já parecia estar morto por dentro. Ele evitava ensaiar ou até mesmo falar com os outros membros do Nirvana e chegou a recusar uma proposta de 8 milhões de dólares para tocar na edição de 1994 do festival Lollapalooza.
Mesmo se ele tivesse aceito, não haveria tempo. Cerca de um mês após a primeira tentativa, Cobain concretizou na manhã de 8 de abril aquilo que já ameaçava. A sua vida havia chegado ao fim, e o Nirvana também.
“Na manhã de 8 de abril de 1994, quando saiu a notícia de que Kurt Cobain, vocalista do Nirvana, cometera suicídio na casa dele […] Dave Grohl, novamente, ficou em choque, mas nem um pouco surpreso. ‘Eu sabia que ele tinha morrido, mas não sabia o que sentir.’”
Dave Grohl e Kurt Cobain. Foto: Reprodução
Charles Cross, principal biógrafo autorizado de Kurt e autor do livro Heavier Than Heaven, definiu a fase final de Cobain da seguinte maneira em entrevista para Mick Wall, que escreveu a biografia do Foo Fighters:
“Kurt naquela altura era um trem descarrilado em direção a um muro e ninguém podia detê-lo, fosse um parceiro de banda, fosse um amigo. Qualquer que fosse o papel de Dave, qualquer que fosse o papel de Krist, que sempre teve a mais profunda e longa conexão com Kurt, ninguém podia detê-lo.”
Ele ainda complementa que “mesmo antes de Kurt morrer, o Nirvana que as pessoas conheciam e amavam já tinha terminado”.
O pós-Nirvana e os primeiros passos do Foo Fighters
Pode-se dizer que Grohl e Novoselic tiveram reações distintas. Krist, que era mais próximo de Kurt, sentiu como se uma parte dele mesmo tivesse morrido. Já Dave se sentiu perdido por um tempo, mas seguiu a vida.
“Ele [Dave] se perguntava se deveria reativar o antigo sonho adolescente de se tornar um simples músico de estúdio, um pistoleiro de aluguel pago a peso de ouro para chegar e fazer o que sabia […] também houve conversas a respeito de Dave integrar o Pearl Jam. Ele resistiu aos boatos, mas nunca realmente os negou […] por fim, Dave disse: ‘eu não queria ser baterista de aluguel aos 25 anos […]’”
O rascunho do que seria o primeiro disco do Foo Fighters surge já na fase final do Nirvana. Dave chegou a apresentar algumas canções autorais para Kurt, que queria transformá-las em um material do Nirvana, o que não aconteceu.
“Alguns anos depois de Kurt morrer, Dave confessou ter tocado um punhado de músicas próprias, das quais duas terminaram no que se tornou o primeiro disco do Foo Fighters. ‘Kurt gostava muito e queria transformar [as músicas de Grohl] em faixas do Nirvana, mas por alguma razão nunca fez isso. A música Alone + Easy Target era uma dessas.’”
O Nirvana, já com o guitarrista de apoio, Pat Smear, em 1994. Foto: Reprodução
No mesmo ano do fim, 1994, Grohl já trabalhava de forma tímida nessas canções, aproveitando um espaço deixado por Kurt, que faltava aos ensaios e sessões de estúdio da banda. Um dia, com todos os membros da banda lá, com exceção de Cobain, eles ensaiaram músicas compostas por Dave.
“[em janeiro de 1994] o Nirvana tinha três, quatro dias de sessões agendadas. Neles, começariam a trabalhar em um novo material. E Kurt não apareceu durante o primeiro dia. Então, você tem Novoselic, você tem Grohl. Acho que Pat Smear estava lá. Basicamente, você tem esses caras sentados sem fazer nada."
“Eles trabalharam em alguma coisa do Dave. Então, foi aí que Dave trabalhou pela primeira vez em uma matéria-prima dele […] aquilo foi um divisor de águas. Talvez o projeto solo de Dave nunca tivesse sido lançado […] aí Kurt morre e, de repente todo cenário muda.”
Seguir em frente tão rápido após a morte de Kurt e o fim da maior banda grunge da década de 90 seria polêmico e Dave sabia disso. Ele entrou em estúdio ainda no mesmo ano, 1994, e lançou o primeiro álbum do Foo Fighters poucos meses depois, em 1995.
“Ele [Dave] sabia que, por conta do culto que cercava Kurt, haveria gente questionando: ‘Como Dave ousa seguir com a vida dele e tentar salvar algo do desastre que foi o Nirvana?’”
O que veio depois? História. Mas isso é papo para outros capítulos da biografia Foo Fighters: Learning to Fly.