DJ Gustavo Noctis fala sobre as vertentes da música eletrônica desde o underground até os grandes festivais

O DJ Gustavo Noctis no estúdio da Mega. Foto: Danilo Souza
Para uma boa parte do público, ainda existe um certo mito sobre o que é ser um DJ de música eletrônica. Muitos enxergam a profissão como “apertar alguns botões” ou coisa do tipo, entretanto, assim como em qualquer outro estilo musical, dentro do gênero existem diversas camadas que influenciam diretamente no modo de produzir e de se apresentar.
Nessa entrevista, Danilo Souza fala com o DJ Gustavo Noctis sobre o estilo e as suas múltiplas vertentes, além de também abordar sobre sua carreira como produtor na cena local e estadual.
O Dentro da Cena é produzido e apresentado por Danilo Souza com apoio e publicação da Mega Rádio.
Danilo: Quando e como surgiu o Noctis?
DJ Gustavo Noctis: O projeto surgiu no final de 2015 para 2016, quando eu conheci um amigo que estava com o projeto de fazer uma festa, aí ele fez esse convite. E depois dessa festa foi um gatilho para continuar rodando o Brasil atrás de experiências, visitando festivais como público mesmo, para ter esse amadurecimento e ter essa bagagem, tanto artística, de estar fazendo network, quanto a bagagem musical, de estar conhecendo novos projetos ou projetos renomados mundialmente, que muitas das vezes a gente não tem a oportunidade de estar vendo sempre, até pela dificuldade logística de trazer esses artistas aqui pro Brasil.
Danilo: Como o Noctis e o Gustavo se diferenciam um do outro?
DJ Gustavo Noctis: É bem complicado por conta justamente dessa disponibilidade de tempo. Geralmente, eu estava utilizando o espaço da noite para estudar. Tive que parar um certo tempo porque eu tive que voltar para a faculdade também e tive que abrir um pouco a mão do projeto. Mas é justamente isso, é mais aos finais de semana, quando eu chego à noite, depois do trabalho, que aí vou estudar e aplicar na produção ou gravar setlist, porque além de produtor, eu também sou DJ set, tem essa diferença.
Tem um produtor de estúdio e tem um artista de palco. eu acabo desempenhando essas duas funções e assim é bem difícil mesmo assimilar. 9h eu vou ter que entrar no trabalho, saio às 18h, e é só uma hora de almoço, mas nesse meio tempo todo aí, quando tá podendo ouvir um som, a gente tá ouvindo também pra tá conhecendo o trabalho dos outros artistas, pra tá cada vez mais construindo um leque. É bem difícil essa assimilação, mas por fazer por paixão mesmo, acaba que muitas das vezes a gente cede um pouco e se debruça na vida artística, até porque é o que dá alegria na vida, essa questão de estar produzindo, de estar tocando, é uma das coisas que eu gosto muito de fazer na vida, então eu não quis deixar isso de lado.
O DJ Gustavo Noctis. Foto: Arquivo pessoal
Danilo: Em várias ocasiões, a música eletrônica é englobada como uma coisa singular, quando, na verdade, há uma série de subgêneros dentro dela, como o Techno, House e o Psy Trance. Quais desses subgêneros você produz e o que caracteriza as diferenças entre eles?
DJ Gustavo Noctis: É um ponto interessante, porque dentro da música eletrônica a gente já tem uma separação entre a EDM, que geralmente são as músicas mais comerciais, e a E-Music, que já é a parte mais underground da música eletrônica. Eu tô dentro deste universo, onde está o gênero Psytrance. Dentro do Psytrance, a gente tem N subgêneros que vão surgindo, são muitas variações e possibilidades que você tem de explorar.
E o que eu exploro no projeto Noctis são duas vertentes, que é o Dark Psy e o High Tech. São vertentes, inclusive, novas, que surgiram posteriormente a outras vertentes mais underground, o Dark e o Forest, que estão ali praticamente no mesmo momento. O Forest é uma vertente que leva muito a roupagem do Rock, mas você tem uma ambiência orgânica, e o Dark traz um som mais sintetizado. O high-tech vem dessa variação, é um "subgênero do subgênero", ele vem do DarkPsy e tem referência de um rock mais psicodélico, é um som mais acelerado.
Danilo: Ainda pensando neste aspecto de produção, uma coisa em comum na maioria das vertentes da música eletrônica é a velocidade. Algumas faixas chegam a passar dos 200 bpm (batimentos por minuto) e possuem processos curiosos de mixagem. De que modo você se inspira ao “sair da caixa” para produzir materiais tão experimentais e psicodélicos?
DJ Gustavo Noctis: O Dark ainda bebe um pouco do rock, mas o high-tech é muito aquele som Sci-fi [abreviação para “Science Fiction”, ou “Ficção Científica”, em tradução literal], é um som mais tecnológico, então as referências geralmente são filmes de ficção científica. Cada música em si é construída a partir de uma temática, eu gosto sempre de definir um tema antes e a partir desse tema eu vou explorando sintetizações e experimentações que, em muitas das vezes, vão surgindo sons novos que até surpreende, lembra muito essa questão de um som mesmo de ficção científica, um mundo pós-moderno, cibernético.
Danilo: A história do surgimento de algumas dessas vertentes é tão curiosa quanto a sua sonoridade. O Psy Trance, por exemplo, chegou ao Brasil após a vinda de estrangeiros indianos no final da década de 80. A Bahia, inclusive, é um dos estados mais fortes do cenário, sediando o festival Universo Paralello a cada dois anos, na Praia de Pratigi. Os fãs que vão ao festival definem a festa como uma experiência única e até mesmo como uma mudança de vida. E você, enquanto artista, o que tem a dizer sobre os festivais de música eletrônica? O que significam para você?
DJ Gustavo Noctis: Eu acho interessante pela diversidade cultural e o público que você acaba encontrando ali no Universo Parallelo, principalmente, que é o maior festival que a gente tem aqui atualmente na Bahia. Ele traz essa roupagem da multidiversidade de palcos e de vertentes. Inclusive, ele explora tanto o universo da EDM quanto o universo da E-Music. Atualmente eles estão trazendo mais a EDM do que a E-Music, mas é um festival que é pioneiro na figura de Juarez Petrillo e todos os outros colaboradores, o próprio filho dele, Alok.
Esses festivais trazem essa conexão com artistas de outras vertentes e segmentos e permitem esse compartilhamento de estar pensando não somente na sua vertente, mas como é possível você explorar ambientes. É a partir disso que vão surgindo mais subgêneros, mais vertentes, e, na verdade, o artista vai construindo sua identidade sonora.
O DJ Gustavo Noctis durante uma apresentação ao vivo. Foto: Arquivo pessoal
Danilo: Outro ponto que os artistas trabalham é a conversão do público ao vivo para as plataformas de áudio e vice-versa. No caso da música eletrônica, pode ser ainda mais complexo, já que existe todo o conceito de viver a experiência dos festivais e das apresentações, por exemplo. Como levar essa experiência do ao vivo para os fones de ouvido das pessoas em casa? Você pensa nisso quando está produzindo o seu set?
DJ Gustavo Noctis: Sim, tem que ter esse pouco de atenção. Mas eu digo que o Psy Trance é um som pra você ouvir toda hora, mas não é pra todo o ambiente. Eu sempre gosto de bater nessa tecla sobre a questão da educação musical, de você tá ali apresentando pras pessoas, inclusive esse universo todo do Psy Trance.
É difícil realmente trazer essa pessoa do universo do ao vivo pras plataformas, mas eu acho que é um som que cabe pra tudo, pra você limpar a casa, pra se animar, existem vertentes também que exigem a atenção ali, então, varia muito. Eu mesmo gosto de fazer tudo ouvindo Psy Trance, porque acaba que me dá um certo foco, uma concentração de prestar atenção ali nos elementos e aquilo realmente me tira um pouco do mundo do pensamento e coloca muito no mundo do agora, assim, do presente, de saber o que eu tô fazendo. Acaba que ativa uma certa área do cérebro que faz você estar ali presente, consciente, não agindo de forma aleatória no inconsciente.
Danilo: Assim como você, artista, precisa se desprender de um padrão para fazer suas canções, os ouvintes também precisam estar de cabeça aberta e sem expectativas para conseguir entender o som. De que modo você lida com isso? É difícil para consolidar um público produzindo música eletrônica?
DJ Gustavo Noctis: É muito de você acertar ali na roupagem no que você traz de tema pra música. Eu sempre gosto de trazer temas que são voltados justamente a esse público do Dark Psy. Teve o Agosto de Rock, que a homenageada foi a Rita Lee, e eu tive essa oportunidade de mixar as músicas dela com músicas de outros artistas que eu acho que ninguém nem pensou e ficou uma coisa muito legal, foi até uma surpresa no dia que a gente fez a reunião com a produção, eles ficaram maravilhados.
Esse retorno é o que a gente espera. É um tiro no escuro, mas ao mesmo tempo eu penso naquele público ali. Eu sou fã, por exemplo, de Star Wars, então eu sempre gosto de trazer referências ali de falas de personagens ou momentos dos filmes que, quando a pessoa ouvir aquele trecho, vai ficar aqueles segundos gravados na cabeça dela e vai acabar tendo um gatilho com aquele sample, com aquele áudio ou com aquele efeito de lembrar do filme e acabar dando uma oportunidade, abrindo a mente para ouvir o que tem para além daquilo ali, né?
Danilo: Pensando no cenário mundial, o Brasil conseguiu furar a bolha mais de uma vez, já que nomes como Alok e Vintage Culture se tornaram referência de música eletrônica. De que forma você analisa esse momento de ascensão?
DJ Gustavo Noctis: Eu acho que é muita questão de público, porque o que mantém a festa é o próprio público. Então, aqui no Brasil, como é transmitido esse tipo de som, acaba que as pessoas conhecem mais do que a vertente que eu produzo. Eu acho que não é nem questão de nível de técnicas e sonoridade, acho que é mais nível de acessibilidade e conhecimento, porque boa música sempre será boa música, independente da vertente.
Esses artistas que você citou conseguem trazer boas produções, hits que realmente marcam e que trazem para esses grandes festivais grandes públicos, pessoas que vão ali realmente para ouvir aquele som que muitas das vezes escutaram em casa. E aí acredito que ali na pista vai ter uma experiência até melhor do que estar ouvindo de fone, né, porque tem a questão toda do compartilhamento, de tá conhecendo gente nova, de tá trocando ideia, então você tá num ambiente mais social do que estar ali no seu quarto com fone. Então creio eu que é muito isso, as ascensões, especialmente da EDM, elas são maiores até pela questão de estrutura também de festivais.
O DJ Gustavo Noctis no estúdio da Mega Rádio. Foto: Danilo Souza
Danilo: No passado da indústria musical, em uma época analógica, a música eletrônica já poderia ser considerada como o futuro. Isso, de certa forma, se consolidou. Hoje, é possível produzir uma música do começo ao fim só com um computador. O que você espera para os próximos anos na música eletrônica?
DJ Gustavo Noctis: A questão toda é como é distribuída essa música. Minha preocupação seria essa. Porque querendo ou não, essas plataformas [de streaming de áudio] podem influenciar, inclusive, na questão da massificação. O algoritmo vai te mandar mais isso aqui porque esse artista pagou X, então esse artista vai ter mais acesso. O que eu vejo de perigoso seria isso, essa questão mesmo da segregação e essa questão de tornar a acessibilidade do som cada vez mais difícil.
Mas eu vejo como um potencial justamente por essa facilidade, você tá indo pro trabalho, você liga no Spotify, no Deezer, no YouTube e pode ouvir o som daquele artista, independente de quem seja, não necessariamente um artista global. A plataforma que eu utilizo atualmente é o SoundCloud, que eu acho que pouca gente já ouviu falar, e o YouTube, mas que é realmente uma plataforma, uma rede social musical que eu gosto muito porque realmente foi onde eu comecei a conhecer artistas. Muitas das vezes eu não via nem nos lineups das grandes festas e que já vinham há muito tempo produzindo e que já tinha um material muito bom.