Implementadas gradativamente no Estado, câmeras em uniformes policias ainda estão sem previsão para uso em Vitória da Conquista
Fabian Santos de Jesus, de 24 anos, morreu em uma ação policial, no bairro de São Marcos, em Salvador, e causou a revolta de moradores da região. Familiares e moradores do bairro fizeram protestos com cartazes pedindo justiça. Os familiares do jovem afirmam que ele estava a caminho da casa do irmão quando foi abordado por policiais militares.
Por meio de nota, a Polícia Militar informou que foi acionada por causa da presença de homens armados no local. E que os agentes teriam sido recebidos a tiros. Isso aconteceu no dia 31 de maio deste ano. O caso acima é apenas um de milhares de outros envolvendo abordagens policiais que resultam em morte e posteriormente denúncias e revolta de familiares em relação ao trabalho da polícia, e que poderiam ser esclarecidos, caso os agentes estivessem filmando toda a operação.
Câmeras corporais, surgimento e os desafios da implementação
A implementação das ‘bodycams’, as câmeras corporais nos uniformes dos policiais, é vista hoje como um grande avanço para a transparência nas abordagens policiais e segurança dos cidadãos.
As câmeras corporais surgiram em 2005 na Inglaterra. Depois, dezenas de países também adotaram os aparelhos. Nos Estados Unidos, as câmeras se espalharam pelo país na década de 2010. Lá, em 2020, imagens gravadas de uma abordagem, também por celulares, chocaram o mundo. George Floyd foi estrangulado pelo policial Derek Chauvin, com um joelho no pescoço.
No Brasil, as câmeras foram utilizadas pela primeira vez em Santa Catarina, em 2019. Neste mesmo ano, as câmeras mostraram que um homem morreu em confronto com um policial. E as imagens foram fundamentais para mostrar que o agente agiu corretamente.
Foto: Secretaria de Segurança Pública da Bahia/Divulgação
Desde 2020, a PM de São Paulo tem usado as câmeras corporais. Batalhões específicos passaram a adotá-las. A Rota foi um deles. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas com a USP concluiu que as companhias da PM paulista com câmeras corporais tiveram uma redução de 57% no número de mortes decorrentes de intervenção policial, e que não diminuiu a efetividade do trabalho da polícia.
O registro das ocorrências de violência contra a mulher, violência doméstica, aumentou em função justamente ao que se atribui aí ao poder que a câmera corporal tem no processo de produção de provas.
Implementação na Bahia
Entre as instituições no país que tem acompanhado o debate sobre uso de câmeras corporais pela polícia está a Ordem dos Advogados da Brasil (OAB). Em Vitória da Conquista, o posicionamento da Subseção é de acordo com as outras representações, tanto estadual quanto nacional. Wendel Silveira, presidente da OAB, Subseção de Vitória da Conquista, defende a implementação das câmeras nos uniformes dos policiais.
“O posicionamento da OAB é de que o uso de câmeras é benéfico tanto para a sociedade quanto para os próprios policiais. A OAB defende o uso de câmeras, inclusive, no início da gestão atual, a seccional da OAB-Bahia, requereu junto ao governador que ele determinasse a implantação dessas câmeras. Esse posicionamento é também do Conselho Federal da OAB e também da Subseção de Vitória da Conquista. Ajudará a evitar excessos, seja da população ou por parte dos policiais”, disse Silveira à reportagem da Mega Rádio.
Presidente da OAB, Subseção de Vitória da Conquista, Wendel Silveira/Foto: Divulgação
O administrador de empresas Anselmo Brandão, 51 anos, de Vitória da Conquista, também defende o uso de câmeras nos uniformes da polícia. Para ele, as câmeras vão proteger a conduta do policial, assim como o cidadão que tiver seus direitos violados pela força policial.
“É uma forma do próprio policial se defender, se alguém acusar que ele agrediu, que ele cometeu um homicídio não por legítima defesa. O policial honesto, correto, não tem nada contra a câmera, porque ele não faz nada errado, e a câmera sempre vai provar em qualquer situação duvidosa que ele agiu conforme a lei. Para o cidadão também é bom, porque aquele policial agressivo, que gosta de agir de forma ilegal, de oprimir, de ofender, o cidadão estará protegido dele. A câmera só vem para proteger os lados certos. Quem não deve, não teme. O policial é um servidor público que tem que prestar contas dos seus atos”, opina.
Nossa reportagem entrou em contato com a comunicação da PM de Vitória da Conquista para que intermediasse uma entrevista com o coronel Paulo Guimarães, comandante de Policiamento da Região Sudoeste (CPRSO), para saber sua opinião sobre o tema e demais informações sobre as perspectivas de implementação das câmeras corporais na nossa região, mas fomos informados que o coronel estava em viagem e não poderia nos atender até o fechamento da matéria.
Em contato com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia – SSP/BA, o órgão informou por meio de nota, que as câmeras corporais operacionais já começaram a ser implantadas nas fardas dos agentes das Forças de Segurança da Bahia desde o dia 7 de maio, como um Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Segundo a SSP-BA, neste momento o estado conta com 1.300 câmeras, sendo 200 cedidas pelo Ministério da Justiça e 1.100 locadas pelo governo estadual. “Na primeira etapa, serão usadas 448 câmeras em Companhias Independentes da Polícia Militar (CIPM) localizadas nos bairros de Pirajá, Tancredo Neves e Liberdade (em Salvador). Os locais foram estabelecidos a partir de um critério técnico, que utilizou o parâmetro de unidades com maior número de atendimentos de ocorrência, na capital”, diz a nota.
Questionados sobre a previsão para a chegada das câmeras para os uniformes dos policiais de Vitória da Conquista, a SSP/BA não respondeu pontualmente, apenas disse que “a implementação das câmeras será gradativa e, nas outras fases, vai contemplar também as Polícias Civil e Técnica, além do Corpo de Bombeiros Militar” e que “o projeto baiano é o primeiro do país a implantar as câmeras corporais em todas as forças de segurança”.
Polícia da Bahia lidera ranking das que mais matam no Brasil
De acordo com dados do Ministério da Justiça e Segurança, que reúne estatísticas dos estados desde 2023 para os Dados Nacionais de Segurança Pública, a Polícia da Bahia lidera o ranking das que mais matam, superando o Rio de Janeiro e São Paulo, que historicamente sempre lideraram as mortes violentas.
Em relação a números absolutos, o estado da Bahia foi o que concentrou a maior quantidade de mortes por intervenção policial no país no ano passado, com 1.701 ao todo, 233 a mais que em 2022.
Em 2022, o Rio perdeu a liderança, e a Bahia passou ao topo dessa estatística. No período de janeiro de 2023 até abril de 2024, foram 8.370 mortos pela polícia no país. Dessas, 2.310 na Bahia. No mesmo período, 1.023 no Rio de Janeiro e 724 em São Paulo.
Dados do Ministério da Justiça e Segurança/Divulgação
No caso específico das Mortes Decorrentes de Intervenção Policial, 68,1% dos registros informaram que elas ocorreram em vias públicas. Tais ocorrências estão, ao que tudo indica, associadas tanto aos modelos e padrões de policiamento adotados, sobretudo pelas Polícias Militares estaduais.
O contexto do aumento de facções também é fator que contribuiu para esse aumento de mortes em ações policiais, decorrentes dos combates. Além do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho, outras oito facções disputam territórios do tráfico no estado. Os conflitos colocaram municípios baianos no topo das cidades com maior número de assassinatos do país.
O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Fórum de Segurança Pública divulgaram no mês passado o Atlas da Violência 2024, que mostra que entre os dez municípios com maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes no país em 2022, sete estão na Bahia: Santo Antônio de Jesus, com uma taxa de homicídios de 94,1 lidera as estatísticas no país, seguido por Jequié, com uma taxa de 91,9; Simões Filhos, 81,2; Camaçari, 76,6; e Juazeiro, 72,3. Esses são os cinco primeiros da lista em todo país. Salvador, com uma taxa de homicídio de 66,4 por 100 mil habitantes, aparece como o nono município mais violento no país, e Feira de Santana, com uma taxa de 66 fecha os dez primeiros.
Vitória da Conquista, a terceira maior cidade do estado, aparece com uma taxa de 22,1 homicídios, em 163° colocado na estatística nacional.
Sobre o índice de violência na Bahia, em nota divulgada a veículos da imprensa nacional quando da apresentação do Atlas da Violência, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia disse que houve redução de mortes violentas em 2024, com queda de 8,7%, e que vem aumentando o enfrentamento ao crime organizado.
“A Secretaria da Segurança Pública da Bahia ressalta que as mortes violentas apresentam uma redução de 8,7%, em 2024, na comparação com o mesmo período do ano passado. Informa ainda que ampliou, nos últimos 16 meses, o combate às facções envolvidas com tráficos de drogas e armas, além de homicídios”, informou a SSP da Bahia, por meio de nota.
A secretaria “destaca ainda que, neste período, a Inteligência norteou a repressão qualificada, resultando na localização de 70 líderes de facções, na captura de 24 mil criminosos, na apreensão de 8 mil armas de fogo, entre elas 80 fuzis, número recorde, e na retirada de 15 toneladas de drogas das ruas”.
Reportagem de Caíque Santos
Edição de texto de Fábio Agra