Conquista da Literatura: ’’Uma coisa chamada eu’’ - uma conversa entre a Sociologia e a Literatura

O professor, escritor e poeta Caio Aguiar Sirino. Foto: Danilo Souza
  • Danilo Souza
  • Atualizado: 18/12/2023, 08:47h

No segundo episódio da série “Conquista da Literatura”, Danilo Souza conversa com Caio Aguiar Sirino, professor de Sociologia no Instituto Federal da Bahia (IFBA), em Vitória da Conquista, poeta e autor do livro “Uma Coisa Chamada Eu”, que será publicado de forma independente em 15 de dezembro.

Produção e entrevista de Danilo Souza; edição de áudio de Pablo Hernandez; direção Geral de Fábio Agra

Antes de falarmos sobre literatura propriamente, logo no início Caio nos conta como foi sua trajetória acadêmica e educacional.

“Quando eu terminei o ensino médio - e olha que estou falando de 1993 - eu fiz algumas opções de vestibular: História, aqui em Vitória da Conquista, Farmácia Bioquímica na UFBA e Psicologia em Aracaju. Passei em duas; História e Farmácia Bioquímica. Cursei um semestre de História, na UESB, e fui para Salvador no segundo semestre de 1994 fazer Farmácia com especialização em análises clínicas. Eu não consegui ficar no curso por três meses, percebi que não era a minha. No ano de 1995 eu fiz um novo vestibular para Ciências Sociais e para Filosofia, em Ilhéus, passei em ambos e optei por morar em Salvador para fazer Ciências Sociais. Eu me identifiquei e fiquei por ali, hoje já são mais de vinte anos envolvido com Ciências Sociais.”

Caio é professor em turmas do ensino superior e do ensino médio, o que faz com que ele tenha convivência direta com adolescentes e jovens nas salas de aula. Ao ser perguntado sobre a importância de disciplinas como Sociologia e Filosofia, o escritor respondeu:

“Do meu ponto de vista, elas são fundamentais. Elas são essenciais porque elas entregam ao aluno a possibilidade de refletir sobre a sua própria condição na sociedade e na vida. A discussão sobre as relações de discriminação e preconceito que são construídas socialmente e são naturalizadas a ponto de a gente não perceber, se não houver uma reflexão racional para isso. As Ciências Sociais e a Filosofia levam ao aluno a possibilidade dele se refletir enquanto humano numa sociedade e não simplesmente como uma máquina de produção ou uma engrenagem de produzir capital, elas entregam humanidade.”

Completando seu argumento para a pergunta, ele expôs a sua opinião sobre o modo como a Sociologia e a Filosofia acontecem nas escolas brasileiras.

“O Brasil tem uma tendência a sabotar essas disciplinas. Não são todos os alunos que têm acesso à Sociologia e à Filosofia com professores capacitados e formados na área, então olhando em uma perspectiva passado, presente e projetando um pouco o futuro, essas disciplinas ainda estão muito a desejar de ponto de vista das suas ofertas, sobretudo nos currículos do ensino fundamental. No médio oferece de maneira tímida, mas no fundamental não oferece e, às vezes, o aluno só tem a oportunidade de deslumbrar essas disciplinas no ensino superior.”

Após trazer essa trajetória, Caio nos leva para uma outra, a da literatura, especificamente a sua e a produzida em Vitória da Conquista. Caio revelou que, mesmo fazendo parte da área da educação de forma direta, não conhecia sobre os escritores em atividade na cidade.

“O meu contato com a literatura conquistense é muito recente, tem um ano aproximadamente. Eu não sabia que havia, nesse exato momento, em Vitória da Conquista, escritores e quando eu me coloquei na engrenagem eu comecei a entrar em contato com alguns escritores locais. Aí que eu comecei a ouvir falar, por exemplo, de Nélio Silzantov, que já tinha dois livros publicados e falei ‘olha, o Nélio tá publicando’. A partir do contato com a escritura do meu livro eu fui conhecendo gente que diagrama livros aqui em Conquista, o Thiago Suiten, um grande parceiro nesse projeto, descobri poetas, como Charles Ribeiro, que editou meu livro e Cristiane Lemos, professora de línguas do IFBA, que ilustrou o meu livro. A partir dessas pessoas eu fui me conectando a grupos de escritores e me surpreendeu, porque quando eu entrei no grupo de Whatsapp de escritores conquistenses éramos dez e hoje somos 60 e estão todos lançando livros na Fliconquista.”

Próximo de lançar o seu primeiro livro, Caio comentou como foi o processo e por qual motivo optou por um lançamento independente na primeira edição da obra.

Uma coisa chamada eu é uma produção independente feita com parcerias e com dinheiro próprio, a gente tenta entrar nesse universo e conectar alguma editora que se interesse pela proposta. As grandes editoras nem cogitam e sempre trabalham com livros por meio de agentes literários, que são meio que caça-tesouros que estão por aí descobrindo talentos e isso pode acontecer com qualquer livro que chame a atenção deles. Existem muitas pequenas editoras no Brasil, isso me surpreendeu, com uma qualidade extraordinária e que lançam livros através de parcerias onde você banca toda a parte de produção, diagramação, revisão, as editoras fazem esse trabalho mais técnico e publicam uma quantidade de livros na condição de que um percentual das vendas do livro fiquem com a editora. Depois de pesquisar muito, eu decidi fazer uma tiragem independente e nas próximas edições a gente pode pensar, sim, em uma parceria com editoras.” 

Sobre o livro “Uma Coisa Chamada Eu” 

“É uma síntese de uma vida inteira. É um livro pequeno, de 116 páginas, no entanto, denso. É uma saga poética - eu não sei se existe esse gênero literário ainda - mas à medida que eu fui trabalhando com esse livro, na construção dele, ele foi se tornando uma saga poética. É um personagem que se encontra adoecido e está numa situação de desamparo existencial e carrega em si uma certa intimidade com a literatura, sobretudo com a poesia luso-brasileira. E nesse desencontro consigo mesmo tentando achar um lugar no mundo, relações de identidade, de profundidade que explicam as suas angústias, os seus medos e suas inseguranças, sua solidão, desamparo e desassossego, como diz Fernando Pessoa, ele vai dialogando com poetas da tradição luso-brasileira e também com pensadores universais da Filosofia e da literatura.”

Durante a Fliconquista, Caio esteve presente em uma das mesas de conversa do evento representando o clube de leitura Um Dedin de Prosa e Poesia. O poeta comentou como esse clube funciona. 

“Um Dedin de Prosa, que está vinculado à Biblioteca Donaraça e que tem como representantes principais o casal Juliana Brito e Josué, é um grupo de amigos que, anterior à pandemia, passando por um processo político que nós vivemos extremamente desgastante, precisou se reunir para se amparar por meio da literatura. Eu fui convidado quando o grupo estava iniciando as leituras e a dinâmica era essa: a gente lê livros que nos inspirem no caminho da construção de um mundo melhor ou na reflexão de um mundo melhor e que funcionasse, também, como uma terapia de grupo. Então a gente colocava em eleição três livros, selecionava um e esse um tinhamos um mês para ler e fazer uma reunião presencial e aí a gente levava os “comes e bebes” para a gente colocar as impressões que a gente tinha acerca do livro e foi assim que a dinâmica foi funcionando.”

Caio representando o clube de leitura Um Dedin de Prosa e Poesia durante a Fliconquista. Foto: Danilo Souza

Caio aproveitou a ocasião para indicar algumas obras que conheceu através da sua participação no clube de leitura.

“Um livro que eu devorei se chama “Flores para Algernon” (Daniel Keyes), eu nunca tinha ouvido falar. A gente leu esse livro em 2022, um livro que me chamou muita atenção e eu lembro que eu terminei chorando copiosamente. E não eram lágrimas de tristeza, eram lágrimas de alegria pela exuberância da obra. Eu conheci, finalmente, Conceição Evaristo com o livro “Ponciá Vicêncio”, esse é de amargar, a Conceição Evaristo te coloca dentro da condição do negro no Brasil. É um livro que a Conceição Evaristo nos coloca numa condição afetiva e emocional de empatia, como é vivenciar a condição de negro no Brasil com personagens extremamente fortes, como é o caso da personagem principal, Ponciá Vicêncio.”

Para seguir acompanhando os trabalhos e acompanhar o lançamento do primeiro livro de Caio Aguiar Sirino, siga o perfil oficial do escritor no Instagram. Confira a seguir uma poesia escrita por ele baseada em livros feitos por autores conquistenses

“Vagando por aí tomado por abstrações e pensamentos cinzentos

Fui abraçado por um torpor que me revelou a finitude das coisas

Sem entender porque estamos tão desumanizados

Passei a ouvir as vozes que ecoam na jóia do sertão da ressaca 

Foi como voltar ao ventre de mãe após passar cem dias de escuridão

Súbito, adentrei o outro lado da chuva munido do poder de me reinventar

Pondo a prova a escrita do filho de ninguém 

Expus meus poemas esquecidos e segundos poemas no quintal do mundo

Do alto de um panóptico avistei meus caminhos 

E entre sim e não reivindiquei os direitos à cidade

E com gritos que ecoam no ar, o meu eu poesia afirmou:

Estamos mais do que vivos!”

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